Muito antes de iniciar o projeto A BÍBLIA DO ROCK, eu já conhecia esse pioneiro do rock and roll, através de discos em sebos, pois minha atração pela época, anos 1950 e 1960, vinha desde o berço. Era algo que eu sentia falta em minha geração. O visual atraente dos anos dourados, da arquitetura, dos figurinos, dos automóveis e da música como um todo ocuparam um grande espaço em minha mente. Sempre gostei de várias fases do rock and roll, porém, por muito tempo eu me sentia refém, no bom sentido, de uma época sem igual. Como minha primeira paixão foi o cinema, procurei me profissionalizar na área para um dia realizar um filme digno de Primeiro Mundo e não somente realizar um documentário imediatista onde cada personagem tivesse sua carreira resumida em 5 minutos, queria mesmo esmiuçar mesmo me faltando muito material físico. Nosso país, como se sabe, tem pouca tradição em preservar a memória cultural e quando isso ocorre, sempre se encontra uma colcha de retalhos incompleta ou um quebra-cabeças sem fim. Em 1999, finalmente, adulto, tomei a iniciativa de adquirir equipamento ("professional"), abandonar a carreira de ator e dramaturgo no teatro, para viajar o país à la "on the road" captando depoimentos de artistas de todas as épocas. Confesso que não esperava demorar tanto para finalizar o projeto e que para alcançar a marca dos mil novecentos artistas documentados levaria tanto tempo. Quem tentou fazer algo parecido, antes de mim, garanto que o fez de forma resumida porque para quebrar tal marca precisaria de mais anos à frente(afinal de contas são 62 anos de rock brasileiro e não apenas 50 ou 30, como algumas publicações de completa desonestidade jornalistica tentam empurrar no público leigo). Algumas editoras chegaram a comprar a ideia de um moleque que criou uma narrativa fantasiosa sobre o surgimento da cena rockabilly argumentando que o rock verdadeiro havia surgido somente nos anos 80, em São Paulo, através da banda Coke Luxe. E olha que nem estou recapitulando, aqui, outras obras ou documentários que constantemente forjam uma nova narrativa das origens do rock, dizendo que este iniciou com o Brock. A falsa narrativa não apenas desinforma os leitores da nova geração, como também, compromete obras honestas de futuros pesquisadores. Numa época de bombardeio de informações e muita lenda urbana na internet, o recurso lógico é pesquisar as fontes consideradas verdadeiras e com quem realmente viveu os anos dourados do rock and roll ou de quem participou de tal época e concede uma entrevista autêntica a você. Sempre respeito quando alguém toca no mesmo tema que eu recontando a história de forma honesta como os livros de Albert Pavão, Ricardo Puggiali, Kid Vinil, entre outros.
Sobre eu pesquisar 62 anos de rock em quase 20 anos de estrada (tinha 13 quando comecei), só posso dizer que busquei, sob uma chuva de críticas de imediatistas, o máximo de honestidade na reconstituição de época. De adolescente convivendo com cantores de rock que tinham idade para ser meus pais e meus avós, cheguei a fase adulta, sem nenhum arrependimento da jornada que abracei. Tive a sorte, em tempo, de conhecer pioneiros do rock que, hoje, não estão mais aqui, porém, deixaram em meu acervo audiovisual um grande legado. Foi um grande prazer ter convivido, não apenas entrevistando, esses grandes nomes que iniciaram o movimento de música jovem no Brasil. Passaram por mim: Celly Campello, Sergio Murilo, Tony Campello, Carlos Gonzaga, Eduardo Araújo, Renato e seus Blue Caps, entre outros. Ao contrário do que se recorda o nobre amigo George Freedman não foi em 2015 nosso grande encontro. Talvez, ele não se lembre, mas foi no inverno de 1999 que eu o visitei em sua residência pela primeira vez (questão que pode ser comprovada numa foto vintage logo abaixo, quando eu era um menino). Lembro, também, neste período, que Demétrius foi muito solidário quando sugeriu o meu nome para o Programa Flash, de Amaury Jr., na Band. Infelizmente, nesta noite de entrevistas tivemos apenas Os Golden Boys. Era para termos quase todos os nomes da jovem guarda reunidos e que não puderam comparecer. Dias depois, visitei um a um dos pioneiros. Entre eles, George Freedman que, hoje, divido este momento com vocês nesta entrevista histórica e exclusiva. Esperem que gostem.
George Freedman, no final dos anos 1960.
A ENTREVISTA
EMERSON LINKS:
O que o rock representa para você?
GEORGE FREEDMAN
O símbolo de uma era que veio para ficar. O início de
minha adolescência. A lembrança, em cada momento de uma apresentação musical,
de uma época considerada pelos estudiosos – “anos dourados”. Um tempo
maravilhoso onde a droga não tinha espaço; a violência não trazia o terror e, o
amor e respeito entre os seres ainda existia.
EMERSON LINKS
O que o rock representou para a história da sociedade,
através dos tempos?
GEORGE FREEDMAN
Representou o movimento de uma juventude que procurou se
livrar dos conceitos e preconceitos de uma época conturbada do pós-guerra,
procurando a liberdade de expressão por meio da música e da rebeldia dos
costumes.
EMERSON LINKS
Quando, onde e como você ouviu rock and roll pela primeira
vez?
GEORGE FREEDMAN
Ouvi o “rock” pela primeira vez em um rádio galena, em
1955. Tinha 14 anos e morava em um internato onde estudei até completar o
ginásio ( hoje, primeiro grau).
EMERSON LINKS
Quais foram suas influências nacionais no que diz respeito
a intérpretes e bandas?
GEORGE FREEDMAN
Foram como um
relâmpago para a comunicação da época. A juventude, da noite para o dia, seguiu
o movimento internacional, principalmente após a exibição do filme “A ronda das
horas” (Rock around the clock”. Logo após, surgiram os primeiros intérpretes e
bandas, entre eles, Carlos Gonzaga, Tony e Celly Campello, etc.
EMERSON LINKS
Qual foi sua primeira experiência amadora e
profissional? A sua família era
conservadora? Faça um relato de suas
memórias da época. Fale também do contato com seu primeiro instrumento musical
(no caso de cantor, falar do seu progresso vocal, ou do seu primeiro trabalho
em programa de rádio ou gravação de disco, no caso você seja comunicador ou
produtor de discos com bandas). Conte, de forma sintética, como tudo se
desenvolveu...
GEORGE FREEDMAN
A minha primeira experiência como amador foi na TV tupi,
dublando músicas de sucesso internacional num programa denominado “Seleções
Americanas”, produzido e apresentado pelo Mr. Fisk e, posteriormente, num show
em um cinema lotado, em Porto Feliz, interior de São Paulo, onde cantei músicas
de Elvis Presley, apenas acompanhado de meu violão. Já como profissional, foi
ao vivo, na televisão Tupi , na época, o canal 3; como quase todas famílias
daquele período, a minha também era conservadora, e foi muito difícil convencer
minha mãe a assinar meu primeiro contrato profissional. Pena ela não ter vivido
para ver o desenrolar de minha carreira; Para relatar minhas memórias nesta entrevista,
como você pede, eu poderia escrever um livro pois, com certeza, vivi o período
intensamente; Meu primeiro instrumento musical foi a gaita de boca e depois o
violão. Esta tendência musical já se manifestava desde minha infância; Gravei
meu primeiro disco no selo “Califórnia” – uma versão intitulada “Hey litle
baby”. Na época conheci o Tony Campello, meu amigo até hoje, que muito me
incentivou para me profissionalizar.
EMERSON LINKS
A Bossa Nova foi um movimento antagônico ao rock and roll?
GEORGE FREEDMAN
EMERSON LINKS
A Jovem Guarda foi um movimento importante para o rock
nacional?
GEORGE FREEDMAN
Com certeza! Principalmente porque entrávamos na era da
ditadura e, a Jovem Guarda trouxe um pouco de amor e esperança para um
juventude que se viu forçada ao silêncio, não podendo expressar seus
pensamentos.
EMERSON LINKS
Pergunta relacionada ao movimento Tropicália (ou
Tropicalismo). Você acredita que o rock modernizou a MPB, acrescentando as
guitarras elétricas nas canções, que antes era uma atitude proibida pelos
tradicionalistas?
GEORGE FREEDMAN
Todo movimento musical influencia outro, assim como toda
cultura é influenciada por outra, portanto tudo é característica de uma época;
é a assinatura de um movimento musical e cultural.
EMERSON LINKS
Alguns ingredientes do rock nacional ajudaram a moldar a
MPB experimentalista dos anos 1970?
GEORGE FREEDMAN
A MPB experimentou um período evolutivo, influenciado por
diversas razões e episódios que o país atravessou e, as características das
músicas, evidentemente, deixaram fortes traços de influência nacional e
estrangeira.
Se você teve uma carreira ou vivenciou os anos 70, qual
era sua opinião sobre o movimentos de bandas do rock progressivo?
GEORGE FREEDMAN
Minha última gravação foi em 1970, aliás, uma despedida
honrosa de um sucesso que gravei com a Waldirene – “Eu te amo, tu me amas”.
Depois eu me desliguei, temporariamente, da música e pouco acompanhei os
movimentos posteriores.
EMERSON LINKS
Na década de 70, surgiu uma onda onde os produtores de
gravadoras desejavam revitalizar o espaço do pop rock brasileiro comercial,
fabricando intérpretes (muitos “fantasmas”), que apareciam em discos cantando
em inglês; Era os casos de Mark Davis (Fábio Jr.), Morris Albert, etc... Quais
são suas lembranças desse período, ou seja, você era contra ou favor?
GEORGE FREEDMAN
Nada tinha contra essa ideia. Até acho que foi o início
da profissionalização da produção, inovando formas de faturamento. Um exemplo
foi o estrondoso sucesso internacional de Morris Albert.
EMERSON LINKS
A onda da Discotheque iniciou uma crise no rock mundial
e, por consequência, atingiu o Brasil?
GEORGE FREEDMAN
Todo movimento tem seu período. Uns mais longos e outros
mais curtos mas, o verdadeiro e marcante movimento sempre consegue superar
todas fases críticas.
EMERSON LINKS
Você acha que o movimento punk revigorou a cena roqueira
(nacional) desafiando a Discotheque?
GEORGE FREEDMAN
Não
necessariamente. Cansados da repetitividade, um movimento se destacou sobre o
outro revitalizando e trazendo novas mensagens.
EMERSON LINKS
Por que o Heavy Metal sempre teve pouca penetração nas
rádios brasileiras?
GEORGE FREEDMAN
Em minha opinião, por ser um música pesada de se ouvir.
Se torna mais atrativo em uma apresentação ao vivo.
EMERSON LINKS
Você acredita que o movimento New Wave ajudou a estimular
o rock nacional dos anos 80?
GEORGE FREEDMAN
Como todo movimento, este também trazia características
de influência de movimentos anteriores e, portanto, um ajuda o outro.
EMERSON LINKS
No papel de compositor, quando foi que você atingiu o seu
auge? Houve uma realização artística ou financeira?
GEORGE FREEDMAN
No final dos anos 60 foi meu melhor período como
compositor, quando diversos profissionais gravaram minhas músicas e versões.
EMERSON LINKS
O disco mudou a sua vida economicamente a sua vida ou foi
uma opção prazerosa?
GEORGE FREEDMAN
No meu tempo o disco não dava independência econômica
para ninguém. Um sucesso de parada vendia pouco mais de 60.000 discos (compacto
simples) e, um disco de ouro era conseguido com a venda de 100.000 discos.
Hoje, um sucesso vende facilmente 500.000 a 1.000.000 de discos (CD’s), que
rendem muito mais, conseqüentemente, minha época foi maravilhosa de ser vivida
porém, péssima economicamente. Recentemente, infelizmente, tivemos provas do
que estou dizendo.
EMERSON LINKS
Conte uma história marcante, que você tenha vivenciado
com uma fã.
GEORGE FREEDMAN
Todos meus momentos com minhas fãs foram marcantes. Eu as
amava. Tinha prazer em responder suas cartas pessoalmente e, quando as conhecia,
era bárbaro.
EMERSON LINKS
Você concorda com essa supervalorização que a mídia faz
do rock nacional dos anos 80?
GEORGE FREEDMAN
Porque não? Foi uma forma de revitalizar um dos
movimentos mais marcantes da música internacional.
EMERSON LINKS
O movimento Grunge de Seattle (anos 90) foi importante
para o rock nacional?
GEORGE FREEDMAN
Desculpe minha ignorância mas, este não acompanhei.
EMERSON LINKS
Descreva os intérpretes e bandas que você considera mais
importante na história do rock (nacional e mundial).
GEORGE FREEDMAN
Como intérpretes nacionais cito Carlos Gonzaga; Tony e
Celly Campello; Demétrius; Ronnie Cord, e no cenário mundial, Elvis Presley; Paul
Anka; Neil Sedaka; Litle Richard; Jerry Lee Lewis, entre outros. No âmbito das
bandas nacionais posso citar The Clevers (Os Incríveis); The Jet Black's; The
Jordans e, internacional, a mais importante foi a banda The Ventures.
EMERSON LINKS
Quem é o Rei do Rock nacional?
GEORGE FREEDMAN
Hoje muitos se intitulam e poucos receberam o título.
Deixo a critério dos estudiosos do assunto descobrir.
EMERSON LINKS
Quem é a Rainha do Rock Nacional?
GEORGE FREEDMAN
EMERSON LINKS
Qual a contribuição da música de Raul Seixas para a
história do rock nacional?
GEORGE FREEDMAN
Raul Seixas foi um fenômeno à parte no cenário nacional.
Ele personalizou o rock a seu estilo e demorou para ser reconhecido pela
crítica. Sua contribuição foi grande, especialmente, pelas suas interpretações,
trazendo mensagens inovadoras para a época.
EMERSON LINKS
Até que ponto as drogas exerceram um influente papel no
trabalho musical dos roqueiros? (Exemplo: Tanto os Beatles quanto os Stones
usaram LSD, em uma determinada fase de suas vidas para gravar um disco).
GEORGE FREEDMAN
A droga exerce um papel ilusório, tanto é que, na
história universal, não me lembro de nenhum grande personagem que deixou algo
substancial sob o efeito de drogas.
EMERSON LINKS
John Lennon já dizia: “O Sonhou acabou”. Com base nisso,
você acredita numa nova geração de rebeldes ou a humanidade caminha para a
robotização do prazer alheio?
GEORGE FREEDMAN
Sem dúvida, a robotização, a informática e a realidade
virtual deverão mudar, substancialmente, a humanidade mas, todos momentos de
transição levam a algum tipo de evolução e creio que “Este sonho acabou, mas
outros virão”.
EMERSON LINKS
O romantismo perdeu sua essência frente a uma geração que
não produz mais música para dançar de rosto colado? (Questão voltada ao pop
rock e não para a música brega e vulgar). Por esse motivo não há mais
espaço para o romantismo como havia no rock dos anos 50 e 60?
GEORGE FREEDMAN
Realmente, as coisas mudaram. O romantismo não é mais o
mesmo, a época é outra. Hoje, os valores são outros. Porém, tudo tem seu
período, cedo ou tarde alguns valores voltarão a ser valorizados e, no futuro
teremos uma mescla do que foi e do que é.
EMERSON LINKS
Essencialmente, o que difere o rock e o pop feito de
norte a sul?
GEORGE FREEDMAN
Os conceitos regionais. A influência consuetudinária.
EMERSON LINKS
A música eletrônica poderá acabar com o rock and roll?
GEORGE FREEDMAN
Não acredito nessa versão. Um é um e outro é outro. Os
grandes momentos da música nunca perderão seu lugar.
EMERSON LINKS
Você concorda com a idéia de que, nos anos 90, o grande
astro, a figura carismática do vocalista desapareceu e em seu lugar surgiu “a
própria mídia” como o centro das atenções
(Por exemplo, nos anos 80, os vocalistas se sobressaiam como poetas, é o
caso de Cazuza (Barão Vermelho), Renato Russo (Legião Urbana), Júlio Barroso
(Gang 90). Nos anos 90, a figura do vocalista evaporou? Se acha que sim, dia o
por quê.
GEORGE FREEDMAN
Não concordo “in totum”. Acho que nasceu o
vocalista-empresa e, como tal, ele é fabricado para produzir lucro. O vocalista
carismático surgirá nos entremeios. O problema é que atualmente as gravadoras
querem lucro rápido e deixam de procurar valores como esses citados.
EMERSON LINKS
Todo crítico é um artista frustrado?
GEORGE FREEDMAN
O crítico expressa seu ponto de
vista dentro do tema que lhe é apresentado. Se ele expressa negativamente sua
opinião é porque o tema não lhe agradou. É a liberdade de expressão.
EMERSON LINKS
Deixe num espaço de, no máximo, dez linhas, palavras sobre o livro A BÍBLIA DO ROCK,
que, também, trata-se de um longa-metragem, com imagens já
captadas pelo cineasta Emerson Links, ao longo de 18 anos. Nenhum projeto do gênero teve tanto tempo dedicados à pesquisa e profundidade de campo de natureza biográfica.
GEORGE FREEDMAN
Todo testemunho gráfico é um documento para a
posteridade. Essa sua iniciativa sua é digna, pelo projeto, pelo trabalho e
pela pesquisa. Espero que tenha sucesso e que este livro se torne objeto de
consulta para curiosos e estudiosos, levando a todos ciência de uma era de mais
amor e menos violência, que desejamos um dia volte.
George Freedman mantém amizade com Emerson Links desde 1999.
George Freedman, num intervalo da primeira entrevista concedida para o longa-metragem. Crédito fotográfico: Euler Paixão. Copyright by Emerson Links. Atenção: O uso indevido desta foto em outra publicação sem autorização previa do autor estará sujeita as sanções previstas por Lei.
George Freedman, num intervalo da primeira entrevista concedida para o longa-metragem. Crédito fotográfico: Euler Paixão. Copyright by Emerson Links. Atenção: O uso indevido desta foto em outra publicação sem autorização previa do autor estará sujeita as sanções previstas por Lei.
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