quinta-feira, 30 de abril de 2020

MARCOS FICARELLI, DO GRUPO LOUPHA


  Eu seria um omisso se afirmasse, aqui, que ele é apenas um dos sobreviventes do rock sessentista, pois trata-se de uma figura de irreverência ímpar, mente aguçada, além de possuir um olhar imensamente crítico e irônico (com algumas doses de rancor para com o showbusiness tupiniquim), mas, acima de tudo, sempre pertinente. Pois, pois... (Sic) E quem não guarda rancor de um país onde a ausência de cultura musical afeta o bom gosto de maior parte da população?
  Enfim... Esse é um cara de atitude banhado por uma aura underground. Um vinho esquecido numa adega a ser descoberta. Pois bem. Tive o prazer de conversar com este vinho alguns meses atrás. Vou resumir como Marcos Ficarelli, o Vermelho se apresentou a mim no início da entrevista para o blog e não aquela que gravamos um "esboço" de imagens meses atrás, numa tarde de uma primavera escaldante, via on line, é claro.
  Pois bem... E assim o tal se apresentou:

"MARCOS FICARELLI, o "VERMELHO" que comandou o Conjunto Loupha desde o nascimento em 1965, entre outros, e décadas seguintes, desde 2000, renasceu-o até hoje."

  De qualquer forma, ninguém melhor do que ele para nos brindar com alguns fragmentos de sua história no rock brasileiro e na música popular de qualidade.

Marco Ficarelli, posando bem "doidão", para a posteridade.

A ENTREVISTA


EMERSON LINKS

  O que o rock representa para você?

MARCOS FICARELLI

  Como diria o Quincy Jones, "It's just music". Eu comecei no violão em 1960, aos 12 anos, tocando Bossa-Nova (solando tipo Paulinho Nogueira) e depois (1961, na guitarra) solando Ventures (Delayers) e Shadows (Top Sounds 1), mas bem antes de 1961 eu já cantava todos os rocks do Elvis, etcs, em inglês e as canções do Modugno em italiano.
Em 1964, a partir do sucesso da música instrumental (ver LP "The Top Sounds play Twist, Surf and Hully Gully" - gravadora Albratroz) mudei para o conjunto vocal (Top Sounds 2, com Pedro Autran cantando estilo Trini Lopez, Dion e depois Beatles). Rock puro. Sempre. Nós éramos o "Rock da Rua Augusta".

Marco e sua irmã Marisa.


EMERSON LINKS

  O que o rock representa para a história da sociedade, através dos tempos?

MARCOS FICARELLI

  Uma aula. O Mundo nunca havia visto um movimento liderado por música. Eu tive a chance de receber os primeiros discos "importados" dos anos '60, sempre trazidos por cientistas, padres, embaixadores ou militares (que tinham mais acesso a viagens de avião).
Imagine! Uma aula de comportamento para estes ...  antes de chegar aos jovens!

Na foto, da esquerda para a direita, Ficarelli HOJE e ONTEM.

EMERSON LINKS

  Quando, como e onde você ouviu rock and roll pela primeira vez?

MARCOS FICARELLI

  Foi meio natural, sem querer. Meu primo, filho de um grande cientista, morava vizinho e comprava discos modernos. Entre eles Frankie Laine, Les Elgart, Platters, Johnny Ray ... a raiz de um tempo que fabricou o maior susto que o mundo assistiu: Elvis Presley. Eu já sabia um pouco de inglês aos 8 anos (1956). Não sei qual foi o natal em que tocaram "Tutti-Frutti" na minha casa, mas meu pai era o único no Brasil que possuía um conjunto Hi-Fi Fisher completo com caixas Stentorian. A música explodiu na família (30 pessoas) inteira. Sacudimos qualquer músculo ... naturalmente.

EMERSON LINKS

  Quais foram suas influências nacionais no que dizem respeito intérpretes e bandas?

MARCOS FICARELLI

  The Avalons, Betinho e seu Conjunto e Celly Campello. Muito depois fiquei amigão do meu ídolo, o Solano Ribeiro (dos Avalons). Foi o Solano quem me deu o apelido de "Vermelho", que pegou mas foi censurado em 1968 (não sei se pela gravadora Polydor ou os militares). O Betinho, conheci-o aos 14 e ele me ensinou como "usar" uma guitarra. Tentei comprar sua Fender (toda ralada) em 1963, mas ele pediu U$800 (com amp Bandmaster) e eu não tinha tanto dinheiro. A Celly era a namoradinha do Brasil. Eu a assistia no Crush em Hi-Fi - meu tio era o Heitor Andrade, diretor da TV Tupi. Nessa época eu já cantava todos os grandes sucessos do Carnaval e do Samba, ouvindo o "Pica-Pau", na Rádio Bandeirantes.



EMERSON LINKS

  Qual foi sua primeira experiência amadora e profissional?

MARCOS FICARELLI

1) Eu comecei em 1958 brincando com um violão que minha irmã ganhou - e nunca usou. O Aclimação, meu bairro, era o point da moda e da música em São Paulo. Conjuntos Fenders, Hits, Zimbo Trio... Tomei umas aulas de piano e violão, fiquei bom no violão, o suficiente para um industrial, o José Tavares (depois pai do guitarrista Pallilo Tavares) me levar a todos os lugares (incluindo boites) onde houvesse um cara bom de violão ou cantor. Conheci o Turibio Santos e outros bem mais famosos que me ensinaram "posições" (acordes) nunca imaginadas. Minha professora Julieta Andreotti me viu tocar esses acordes que ela não me ensinou e disse: "Larga a minha aula. Sai e vai procurar um belo professor solista, o melhor!". Achei o Landinho (Orlando Landi), o baixista dos Fenders que foi meu guru e de muitos da época (levei o Luiz Carlos Maluly, produtor). Ele me ensinou a solar e ... fazer uma guitarra! Eu já havia comprado a guitarra mais chic da época (uma Giannini Les Paul semi-acústica linda e ótima de se tocar), mas ... fazer uma Fender Jazzmaster na mão?! na groza, formão e lixa era comigo mesmo. Fiz minha primeira "Azul".

2) Aí formamos um conjunto que deu certo desde o primeiro dia: Eu (Quêto) e Tony Adler nas guitarras, Panda (Antônio Eugênio Taranto Gianfratti) na bateria e Tito Adler no piano. Nossos amps eram piada: o meu era um gravador V-M grande onde eu usava o input-output, o do Tony um amp-banquinho muito pequeno.
Primeiro show da vida: O Tony deu uma festa de 13 anos para o hi-society infantil do Colégio Dante Alighieri e ... choveram garotas, todas aquelas que eu nunca pensei vê-las ao meu lado! Rock 'n' Roll no Jardins!

3) Quando o pai dos Adler proibiu seus filhos de tocar (riquíssimos!), o Sergio Gagliardi (que depois se tornou o primeiro "operador de turismo" em SP) me convidou para tocar excursionando nas Estâncias do Brasil. Fui eu e o Panda, aos 13, viajando para Serra Negra, Poços de Caldas, Lindoya, Campos do Jordão ... dando shows nos Grand-Hotéis e boites (!) principais. Lá conheci os melhores "conjuntos de ritmos" da época. Tocávamos de tudo: Rock, canzonetas italianas, jazz ... No final deste bloco (1 ano) houve um hiato onde o Panda tocou num conjunto de milionários que ganhou o primeiro Festival de Rock na TV Record, organizado por Miguel Vaccaro Neto. Este Festival foi o modelo que desenhou o projeto do Roberto Carlos. Depois o Panda voltou comigo para formar um quarteto de jazz com o Carlo Lovatelli (o Conde ... ) e o Enio Barone (grande produtor cinematográfico) - Os Naughty Boys. Durou pouco porque...



4) ... (fim de 1962). Havia um bom conjunto amador chamado Les Copains que estava em dissolução. Os quatro vieram para mim, oferecendo a liderança "porque Fred vai sair". Eu entrei, reformamos tudo, compramos os maiores amplificadores da época, fabricados pelo "Agnaldo" - o mago dos amplificadores brasileiros - mais o baixo do Landinho, e começamos a trabalhar 8 horas por dia:

Eu, Silvio Camba, Totó Labbate e Pedro Ulhôa. No final de 1963 gravamos um LP, o primeiro com "moleques" - e que faz parte da História do Rock Mundial. Foi quando conheci as rádios, os primeiros artistas do Brasil ... foi lá que tudo começou. Em 1964 saíram o Silvio e o Pedro para "fazer o vestibular" e entraram os outros que formaram o conjunto vocal Top Sound 2, o conjunto da Augusta, da Galeria Ouro Fino, das primeiras domingueiras, dos Beatles ... Eu, Pedro Autran, Aldo Crotti e Totó Labbate. Depois ainda Louis Lachéze vindo direto da Inglaterra trazendo todas as novidades.




5) ... (1965). Quando fizemos o Loupha, eu já era "veterano" com 17 anos, professor de guitarra no melhor conservatório de SP - o da família Meirelles - junto com os maiores músicos da época (Nelson Aires, Chumbinho, Paulo Freire ... ). Os outros do Loupha estavam começando ... como loucos! Eusébio Mattoso (segunda guitarra), Vitor Malzone (baixo) e Hermínio Reis (bateria). Eu era o cantor (primeira guitarra e órgão). Foi tão acirrado o trabalho que no final de 1965, já dominávamos a cena dos mingaus (bailes dos grandes clubes) e concorríamos para o maior Festival havido no Brasil (o Encontro Nacional da Jovem Guarda), que ganhamos e com isso mudamos todo o ambiente musical de São Paulo, na música e nos equipamentos.
  O Loupha era o conjunto da vez, em tudo: na moda (inventamos calças de lonita listada ou xadreza, sapatos vinho ou vermelhos de verniz ...), nos equipamentos (tudo Fender, reverb, eco, amps grandes) e um rock que assustava (Kinks, Yardbirbs, Who, etc - sem Beatles). Tínhamos roadies - alguns muito famosos!


O Loupha então com seus músicos muito jovens.

6) Seguiram-se o Código 90, um rock sofisticado e de sucesso único, quase continuação do Top Sound 2, com enfoque nos teclados do Marinho Murano, com o qual pudemos viajar tocando nos melhores transatlânticos da época, e também do Watt 69, dos grandes tempos dos mingaus no Círculo Militar, onde pudemos tocar junto com os melhores conjuntos e show men do mundo.




7) No meio disso, em 1969, fiz o Vermelho. Foi uma experiência séria, muito bem trabalhada que ... sei lá: até hoje não sei o que deu errado. O disco era uma bomba no mercado (e "quase" não saiu). Sumiram com o Vermelho, bem parecido com o que fizeram depois com o B-12.

8) Meus pais? Até ajudaram no início, mas depois que deu certo, sempre fingiram que nada existia, mesmo quando eu já era casado e produtor de uma grande gravadora.

9) Como cantor / vocalista, eu comecei no Loupha, trabalhando com um gravador de estúdio: cantava olhando a agulha do VU até que tudo estivesse perfeito. No meu primeiro disco cantando (1969 - "Marcos Vermelho - Gira, Gira" - Polydor), a gravação foi "de primeira" em todos os testes e na gravação final.



10) O que eu compus de melhor e por último, foi no B-12. De novo: tudo pronto, composições maravilhosas, gravação boa ... e ... melaram até na mixagem, masterização e até obrigaram a trocar o cantor em várias músicas ... foi um inferno. Tenho certeza que algo muito ruim nos atacou. Eu sei como é, eu fui gerente de grandes gravadoras: eu não deixaria de lado um artista prolífico como éramos todos no B-12.

EMERSON LINKS

  A bossa nova foi um movimento antagônico ao rock and roll?

MARCOS FICARELLI

  Já falei que comecei solando Paulinho Nogueira e tocando super bossa nova. Sempre me dei bem com os da BN e também os do jazz, onde toquei e tinha muitos amigos, que me incentivaram NO ROCK. Bem depois, o Ronnie Von, Imperial, Simonal e outros nos ajudaram também. Só houve uma pessoa horrível que me perseguiu pessoalmente e o fez com muitos do Iê-Iê-Iê. Não era antagonismo, era loucura e droga.
  Ao meu ver, em geral, músicos se respeitam, se amam - mesmo concorrendo.



EMERSON LINKS

  A jovem guarda foi um movimento importante para o rock nacional?

MARCOS FICARELLI

  Monstruoso nos dois sentidos: 1) Transformou o Brasil por inteiro (na moda, fala, etc.) atualizando-o num nível ben alto; 2) Desviou o rock brasileiro do verdadeiro rock. Obrigatoriamente, o sistema (TV, gravadoras e a política do momento) proibiu a entrada de um rock mais verdadeiro. Exemplo: Roberto, começou com "Lobo Mau" e terminou com "Detalhes"; mas consolidou um mercado que já se sentia latente na época.



EMERSON LINKS

  Você acredita que o rock modernizou a MPB, acrescentando as guitarras elétricas nas canções, que antes era uma atitude proibida pelos tradicionalistas?

MARCOS FICARELLI

  Eu mesmo ensaiei o Caetano e o Gil para "essas coisas", por ordem do Solano Ribeiro (antes do Festival que concorreram). Rock "era nóis", o Loupha. Acho que eles nunca aprenderam e por isso deixei-os. Nessa época estava nascendo um conjunto de amigos, sem nome, que abriu show para o Loupha (já no auge do sucesso), muito bom, cantando Beatles sem bateria (depois Mutantes). O Arnaldo (baixo) e o Antônio Peticov (pintor e empresário deles) eram colegas nossos no Mackenzie. Fizeram um belo trabalho com o Gil (mas continuou baião). O Caetano pegou aqueles argentinos, e como esperado de argentinos, souberam enganar a todos com o "tã-Tã-Tã!!!" e aí entrava o de sempre.



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  Você acha que o movimento hippie e a música psicodélica foram importantes para o rock nacional?

MARCOS FICARELLI

  Nacional não. Conheci alguns que (como eu) tocavam solos imensos e melodias "hipposas", mas entre todos, só eu sobrei e por pouco tempo (ultrapassado pela novidade do soul negro). Nesta época, também, a minha geração de rockeiros bons deixava a música porque estavam entrando na faculdade - ou prestando vestibular. Muitos saíram nessa hora. Poucos ganhavam bem para continuar sem a bronca da família. Infelizmente também, nesta época alguns psicodélicos se arrebentaram nas drogas (o LSD!). Além disso, poucos tinham equipamento para "curtição". Tudo era grande e caríssimo - a "garagem" tinha acabado. Os dois únicos conjuntos jovens desta época que usavam mesas de som (Amplicord ou Binson) éramos nós do Código 90 e os dos Mutantes (que estavam em outra jogada, fora do rock). E nós ainda possuíamos um tremendo e único teclado (um Farfisa Compact Duo - o mesmo do Pink Floyd em Pompéia).


EMERSON LINKS

  Alguns ingredientes do rock nacional ajudaram a moldar a MPB experimentalista dos anos 1970?

MARCOS FICARELLI

  Acho que não. A guitarra já era usada no antigo samba dos States pelo Betinho, Dudu, Laurindo de Almeida ... grandes guitarristas. Aqui eu, desde o começo, ia nos bailes com as orquestras do Enrico Simonetti, o Pocho Perez e lá estava o Edgar (um cômico, também) tocando maravilhosamente a guitarra moderna.
  O Solano Ribeiro tentou algo comigo - no Loupha (1966) e depois no Vermelho (1968) - mas a indústria blindou.
  Verbotten!
  Para mim, a simbiose só aconteceu de verdade com o Jorge Ben (1972? - talvez fundador do samba-rock junto com o Bebeto) e o Cesar Camargo Mariano (1974 já com a Elis) quando descobriu o Farfisa Synthorchestra (um synth poly que só ele sabia usar no Brasil - um gênio).
  Fora disso, quem experimentou? Um pior que o outro (falo em termos de rock. OK?).



EMERSON LINKS

  Se você teve uma carreira ou vivenciou os anos 1970, qual era a sua opinião sobre o movimento de bandas de rock progressivo?

MARCOS FICARELLI

  Eu era progressivo em 1971 (estava no Watt 69, do Círculo Militar, o maior lugar de rock em SP nesta época, e arriscava muito no repertório), mas eram muitos poucos os que se aventuravam. O Código 90 já em 1967 foi bem longe com Iron Butterfly, Steppenwolf, Black Soul, etc. O Kompha, conjunto herdeiro dos meus dois anteriores (Código 90 + Loupha) também tocava algo pesado, mas logo se rendeu ao pop.



EMERSON LINKS

  Na década de 1970 surgiu uma "onda" onde os produtores de gravadores desejavam revitalizar o espaço do pop rock brasileiro comercial, fabricando intérpretes (muitos "fantasmas") que apareciam em discos cantando em inglês. Eram figuras como Mark Davis (Fábio Junior), Morris Albert, etc. Quais são suas lembranças desse período, ou seja, você era contra ou favor?

MARCOS FICARELLI

  Daria um livro muito grande.

EMERSON LINKS

  A onda da discotheque iniciou uma crise no rock mundial e, por consequência, atingiu o Brasil?

MARCOS FICARELLI

  Destruiu. Era música muito boa de se ouvir com qualidade total baixíssima. A discotheque começou na Alemanha e Itália - eu vi, eles fingindo serem americanos. As letras eram frases pequenas repetidas mil vezes, o som era de orquestras gingantescas, muito bem gravadas e... só para se dançar. Foi também a época da explosão das FMs e o nascimento latente do videoclip, do CD, dos mini-systems ... Muito som e pouca música. Em geral, os artistas eram "fake" - se a música estourasse, arrumavam um pessoal para apresentar.

EMERSON LINKS

  Você acha que o movimento punk revigorou a cena roqueira (nacional) desafiando a discotheque?

MARCOS FICARELLI

  Eu vi isso acontecer. Meu filho fez o "Holly Tree". Não levei a sério no início, meio parecido com o Green Day, mas eles eram muito bom bons compositores e foram tocar USA, no CBGB - (Nova York), em Hollywood (Los Angeles) ... E aqui, no Brasil, eles e seus amigos eram um furor nos salões do Hangar 110. Venderam muito disco - todo o dinheiro só para eles!  Lembrava de quando eu conheci o primeiro conjunto punk na Inglaterra, o Dr. Feelgood (1974, muito especial). E rock de verdade. Quando voltaram, meu filho produziu o Supla, ainda no estilo. Aqui em São Paulo, a saída do Holly Tree encerrou o punk rock, segundo Marco Badin, dono do Hangar 110.



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  Por que o heavy metal sempre teve pouca penetração nas rádios brasileiras?

MARCOS FICARELI

  É muito barulho, e talvez muita besteira. O sério Deep Purple faz parte da minha vida - e assim outros menos tocados - mas o que a molecada pensa-que-ouve, é barulheira. Para uma rádio, é perder o ouvinte. Outra coisa é que poucas rádios da época tinham controle sobre o volume RMS da música - e nem eram digitais. Alguns idiotas do ramo, até professam o "the louder is better" - insuportável.



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Você acredita que o movimento new wave ajudou a estimular o rock nacional dos anos 1980?

MARCOS FICARELLI

  Com certeza! A minha visão de New Wave é The Cars e outros novos da época. Em 1979, eu voltei a música por causa dos Cars. Rock, bem gravado, esquisito, letras boas... Tudo a ver.
  Eu e o Ray (cantor Raymond Mattar do Loupha 1,5 ... e depois do Kompha) fundamos o B-12, já previamente contratado pelo Maynard da CBS. Juntos entraram o Milton Levy (ator) e o Marcos "Gringo" Rosset (Rei do Vídeo, ex- Presidente da Disney) e depois o Dudu - Eduardo Fecarotta (depois importador das melhores marcas de audio). Começamos a compor (Ficarelli-Fecarotta) e nos lançamos junto com a Blitz, o Lobão, um outro conjunto do Rio ... era o início. Nesta hora já existia o Rádio Táxi fazendo um meio-veve-meio-new wave.
  Logo explodiu tudo num jogo de milhões, mas no caso do B-12, o presidente da CBS praticamente nos botou fora. Era um mexicano: "Rock no Brasil? Quem quiser está fora!". Saímos.



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  No papel de compositor quando foi que você atingiu seu auge? Houve alguma realização artística ou financeira?

MARCOS FICARELLI

  Meu auge foi a música "Café Frio" (B-12 em 1980), a melhor que fizemos eu e o Dudu. Mas era "rock demais" e a gravadora decidiu "virar o disco" para uma música nem infantil.
  Antes e depois tive sucessos em composição onde tive problemas de roubos e falsificações. Me dei muito bem nas inúmeras versões de músicas italianas para renomados artistas.
  Trabalhar sempre, rende.



EMERSON LINKS

  O disco mudou economicamente sua vida ou foi uma opção prazerosa?

MARCOS FICARELLI

  Nada especial economicamente, mas eu nunca larguei a música, seja qual for a minha parte. Continuo até hoje nos meus 70 anos, cantando e tocando, gravando, produzindo ... tudo.
  Mesmo tendo sido profissional nas gravadoras, nunca tive sobressaltos, mas parece que a vida ajuda quando se trabalha sério: quando "faltou", pingou um dinheiro de música.
  Prazerosa? Em italiano nós falamos: "Altro che ...". Nada se compara a cantar num palco, com público.

EMERSON LINKS

  Você concorda com essa super valorização que a mídia fez, por algum tempo, a respeito do rock nacional dos anos 1980?

MARCOS FICARELLI

  Teve coisa boa e coisa muito ruim. Todos supervalorizados. Foi ordem da ditadura. Dois telefonemas de Brasília resolveram tudo. Mais ou menos assim: "Se não estourar, fechamos a gravadora" - ou a rádio ... existem suspeitas gravíssimas até hoje. Eu sei, eu vi.
  Daí as gravadoras tiveram que gastar milhões e estourar quem eles mandassem e sufocar quem não fosse de Brasília. Pouquissimos fora-de-Brasília foram para a frente O Cazuza (um deles) porque o pai era o sócio do Roberto Marinho (creio que nem o João Araújo queria, mas foi obrigado a bancar  o filho - pela mãe).
  Muito dinheiro: passou dos cruzeiros para milhões de dólares. Eu fui vítima desse complô. Muita maldade correu.


EMERSON LINKS

O movimento grunge de Seattle (anos 1990) foi importante para o rock nacional?

MARCOS FICARELLI

  Eu nunca gostei destes caras. Acredite: Eu achava eles chatos como os chatos do Brasil. Na velha Ipanema a gente os chamava de "minhôcos". O tal "music genre formed from the fusion of punk rock and heavy metal" nunca foi um nem outro.



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Descreva os intérpretes e bandas que você considera mais importante na história do rock?

MARCOS FICARELLI

  Todos os "grandes-padrão", mas principalmente aqueles que deram um susto cultura no mercado: por software (música) ou hardware (equipamento). Incluo brasileiros nisso ( Exemplo: o violão do João Gilberto, acordes do Tom Jobim, etc).
  Já falei que, quando criança, possuía um equipamento de hi-fi único ... e havia o Elvis!!!
  Quando eu toquei Purple Haze (um 45 francês, o mega original), a casa quase caiu já na primeira nota. "Sounds of Silence" do 45 (eu já tinha o LP 4AM - chocho) encheu meu coração, me mudou.
  Muitos discos ou artistas! No site do Loupha há uma boa lista de músicas e guitarristas "imperdíveis". É só uma pequena parte - mas já é enorme.

EMERSON LINKS

  Qual foi o fato mais marcante de todo a história do rock nacional?

MARCOS FICARELLI

  Para mim, a entrada dos Paralamas do Sucesso. Eles foram catituados, teve muito dinheiro atrás, teve militares exigindo... tudo ... mas eles eram bons, vide o show no Rock in Rio.



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  Quem é o Rei do Rock no Brasil?

MARCOS FICARELLI

  Piada, não? Nunca pôde haver - mataram o rock, sempre. Posso estar errado, mas não sei. Não deixaram. Rei é o Roberto, e só foi do Rock no primeiro momento.



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  Quem é a Rainha do Rock no Brasil?

MARCOS FICARELLI

  A Rita Lee representou o rock por bom tempo. Hoje temos ... a chata da Pitty ou a mais chata da Baby? Pelo menos temos uma Rainha de Tudo: Ivete Sangalo. Rei de Tudo é o Paul McCartney. É postura, é atitude.



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  Até que ponto as drogas exerceram um influente papel no trabalho musical dos roqueiros?

MARCOS FICARELLI

  Para os produtores, se é que houve problema, deve ter sido horrível. Músico  drogado não produz nada usável. Pior se ele estiver muito "louco" e ficar pisando na mesma tecla.
  Droga nada tem a ver com trabalho, principalmente um trabalho preciso como uma gravação musical. Por acaso, uma vez num disco meu, cismaram de chamar um baixista (ótimo!) que antes da gravação fumou um charuto gigantesco de maconha. Gravou bem, mas nunca entrava na primeira nota ... ficamos sem a primeira nota.
  Por outro lado, dois grandes amigos meus e grandes músicos viraram zumbis e outros se suicidaram.
  Eu sou revoltado contra o uso de drogas.

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  Em termos de mercado de trabalho (e filosoficamente falando) você considera o mainstream tão importante quanto o circuito underground?

MARCOS FICARELLI

  Não consigo generalizar, e mais: depende muito de como o artista administra suas finanças ao ponto de garantir-se no mercado - e continuar. Nos dias de hoje, nada a ver com arte.



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  John Lennon já diza: "O Sonho Acabou". Com base nisso, você acredita numa nova geração de rebeldes ou a humanidade caminha para a robotização do prazer alheio?

MARCOS FICARELLI

  O acúmulo de músicas já gravadas pode indicar que o sonho saturou, mas sempre haverá um Eros Ramazzotti (já datado) para negar que não é mais possível compor. E isso não tem nada a ver com o prazer alheio - é trabalho sério. preciso, exato ... coisa de voluntariado. Logo chegará um novo, grande.

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  O romantismo perdeu sua essência frente a uma geração que não produz mais música para dançar de rosto colado? (Questão voltada ao pop rock e não a música folclórica ou brega). Por esse motivo não há mais espaço para o romantismo como havia no rock dos anos 1950 e 1960?

MARCOS FICARELLI

  Isso é no Brasil - mais que tudo. No mundo inteiro ainda ganha o romantismo, quando não a música clássica, instrumental ... independente das chatices das mega-gravadoras, a "música boa" continua ganhando.
  Falei de música. Mas existe também a linha de letras românticas que, mesmo no rock, RAP, etc, ainda funcionam.



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  Essencialmente, o que difere o rock e o pop feito de norte a sul?

MARCOS FICARELLI

  Conceito meu (de demais alguns): Rock é Rock - o resto é o resto. Norte é Islândia e Sul é Uchuava.

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  A música eletrônica poderá acabar com o rock and roll?

MARCOS FICARELLI

  Eu fui despedido de uma gravadora importante porque briguei para introduzir o Solina (o primeiro synth polifônico usável, depois vendido como "Arp Strings") em 1974. Mudei de gravadora e já em 1975, todas minhas gravações eram feitas com órgãos Yamaha ou os primeiros Elka Strings (e depois os pequenos Casio).
  Depois veio aquela música eletrônica tocada em baladas. Repetitiva por toda a noite, não é música. É música para "esquecer que eu tenho que fazer amor" banhada a droguinhas. Essa "música" depende da verdadeira música. Basta assistir a abertura do filme "La Grande Bellezza" - o Sorrentino pegou a essência daquela estupidez - hilário.
  Vou exagerar: Quando a gente grita "Pátria Amanda, Brasil!" ... aquilo é Rock. Ninguém derruba - é força. Tem liberdade, dignidade e selvageria.

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  Você concorda com a questão de que, nos 1990, o grande astro, a figura carismática do vocalista desapareceu e em seu lugar surgiu "a própria mídia" como o centro das atenções? Por exemplo: nos anos 1980, os vocalistas se sobressaiam como poetas. É o caso de Cazuza (Barão Vermelho), Renato Russo (Legião Urbana), Júlio Barroso (Gang 90). Nos anos 1990, a figura do vocalista evaporou?

MARCOS FICARELLI

  Sem data, sumiram os homens. Só tem mulher-minhoca, principalmente as não-mulheres. O mercado está fedido. Os últimos homens já nem eram homens.



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  Sobre a política do jabá explorando o artista. Você gostaria de opinar a respeito disso?

MARCOS FICARELLI

  Não entendi a pergunta, mas ... Jabá, para mim, era a corrupção existente entre as gravadoras e os disc-jóckeys ou TV, nos anos 1970 - 1980. Com a entrada (para mim, ilegal) da Som Livre, tudo virou Som Livre; e depois tudo virou Globo. A resposta para isso foi o crescimento inesperado e gigantesco da música sertaneja - no interior do Brasil. Mas não demorou muito para a Globo tomar conta, de novo, do mercado sertanejo.
  Já no caso dos banqueiros  que bancam artistas, no início de carreira, visando escravidão, pode dar certo ... é uma aposta, com ações na Bolsa. Hoje, em 99% dos casos, é um (Globo) ou outro (Bolsa). O resto é assassinado artisticamente.

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  Todo crítico é um artista frustrado? Por que?

MARCOS FICARELLI

  Todo crítico é uma piada. Primeiro porque não faz, e quem não faz, não sabe o que é fazer. Mas ... existem os que já "fizeram" - e quando viram críticos, são obrigados, ou naturalmente até, a esquecer o que sabiam por força do trabalho-padrão na imprensa.
  Conheço alguns, inclusive bons e  grandes amigos. Na maioria não se enrubecem ao mentir ... é um belo ramo para mentirosos e escroques.
  Por esta razão, penso que ele não é um artista frustrado, em nenhum dos casos. Quem não sabe fazer, não faz porque nunca fez nada, e quem já fez, achou melhor falar mal que contribuir.

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O diabo é o Pai do Rock?

MARCOS FICARELLI

Quando o Elvis rebolava .... Taí a prova. Rock é isso. Jagger, Marriot ... Satanic Majesties!



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Você gostaria de fazer a si mesmo algum tipo de pergunta não realizada durante essa entrevista?

MARCOS FICARELLI

Uma pergunta geral:

PREÂMBULO

1- Uma vez eu assistia o show de uma banda, e um da pleteia (com belos 60 anos) chegou para mim e falou: "Ele não sabe o que está cantando, está lendo a letra ... Você sabe ... Sempre ..."

2- Eu já havia tocado três anos numa banda muito boa. Muito depois em 1998, me chamaram novamente para liderá-la. Trouxeram uma pasta enorme A3 para eu usar no palco (todos os 6 usariam) - "Olha, todas as letras, cifras ... tudo arrumadinho ... " Eu cortei e proibi imediatamente. Era tão feio que o público não conseguia ver a cara de ninguém, nas fotos só saíam ...pastas!

3- Um amigo meu e famoso guitarrista de solo passou no meu estúdio porque queria gravar uma música cantando. "Que bom!" - No ensaio começou fazendo acordes bossa nova ... "Uh! Pára! É. Não aguentei, importei a partitura original da editora, com o escrito "Authorized for use by Loupha Ficarelli" e mandei para todos os da gravação, mostrando que partitura original tem acordes simples e que as variações, em geral, são das partes de cada instrumento.     
       


 Então, A PERGUNTA:
"Você acredita que a diferença entre Rock e não-rock é saber o que você está cantando ou tocando?"



FAÇA UM DOWNLOAD DO HISTÓRICO COMPACTO DA BANDA CÓDIGO 90, aqui:

https://mega.nz/file/B8NkBYSJ#HHBBR05Gjn4_Z2tC7mBj2l7zl9QtL6IRSODmBq-MuVQ



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  1. Marcos Ficarelli faz parte do seleto grupo de músicos que fazem parte da história da música em todas suas vertentes,excepcional músico, começou a tocar desde garoto aos 12 anos na onda da Bossa Nova,passando para o conjunto vocal (Top Sounds ), conjunto amador chamado Les Copains,Código 90, Watt 69.Loupha é um conjunto de Rock! Nasceu em 65 em São Paulo. Modificou o padrão do Rock nacional. Com calças xadrez ou listadas, o Loupha ganhou o Festival Nacional da Jovem Guarda em '66 e hoje é citado como a maior força "secreta" dos anos 60 (Revista Biss, site SenhorF etc.)"MARCOS FICARELLI, o "VERMELHO" que comandou o Conjunto Loupha desde o nascimento em 1965 e depois, desde 2000, renasceu-o até hoje, espero que continue na ativa por muito tempo, ele é o "cara"!Ficou tri legal a foto do Vermelho posando na foto "bem doidão",parece um punk,vai ficar mesmo para a posteridade. Loupha é atitude, Rock das raízes. Você percebe que a magia continua!!





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