terça-feira, 5 de maio de 2020

CIRO PESSOA, MÚSICO FUNDADOR DO GRUPO OS TITÃS, NÃO ESTÁ MAIS ENTRE NÓS

Ciro Pessoa, então jovem.



  "A Vida Tem Dessas Coisas", exclamava Ritchie em um de seus sucessos da década de 1980 (compreendida por uma maioria vigente como a época em que o rock brasileiro atingiu seu apogeu comercial e, sobretudo, cultural ). Embora tal música estivesse num plano pop romântico juvenil conseguiu o feito de atingir as camadas mais baixas da população, inclusive a dos ouvintes da chamada música brega. Ritchie (ex-integrante de um grupo de rock progressivo, o Vímana) era uma (suposta?!) ameaça ao reinado de Roberto Carlos, desde o hit carro-chefe "Menina Veneno" havia grudado na mente até mesmo das empregadas domésticas. Neste ano de 1983, quando "A Vida Tem Dessas Coisas" era mais um sucesso do cantor "brasileiro" (entre aspas) nascido na Inglaterra, o paulistano Ciro Pessoa deixava o grupo Titãs do Iê--Iê-Iê. que havia ajudado a formar juntamente com André Jung, por volta de 1981. Ritchie continuaria com seus sucessos por mais algum tempo, até desaparecer na curva sinistra arquitetada pela "cúpula do hit parade". Enquanto isso, André Jung tocaria o barco com o tal Titãs do Iê-Iê-Iê, que posteriormente estouraria com o nome de Titãs com outros integrantes peculiares que, também, inventariam carreiras solos. Ciro, por questionar os novos rumos criativos defendidos pelos músicos-fundadores (Arnaldo Antunes, Paulo Miklos, Nando Reis, etc), perdeu a grande oportunidade de ser um sucesso (não que isso seja recomendável para um artista ter valor - artisticamente falando - dentro do rock, porém, apenas desta forma, ou seja, fazendo escola como hit maker, seu trabalho se torna gratificante, principalmente, quando o assunto é mercado de trabalho em país de Terceiro Mundo). E encerro dizendo que: a única coisa que Ciro tinha em comum com esses nomes citados era a vontade de ser reconhecido pelo público.       


  Ciro Pessoa Mendes Correa, também ficou conhecido pelo nome Dharma Tenzin Chöpel, que nasceu em 12 de junho de 1957, na capital paulista. Era o músico, vocalista e compositor, e tornou-se um monte de coisas no decorrer de sua existência, mas vale deixar registrado aqui, seu legado no rock underground brasileiro.  Começando pela banda Cabine C, que durante  1984, era uma das pioneiras do rock gótico, em palcos e bares, do sul do país (sem desconsiderar que a DeFalla já debutava "visualmente no gênero" neste mesmo ano), e mandava muito bem. Cabine C era formada por Wania Forghieri (então esposa de Ciro), Edgar Scandurra (Ira!), Sandra Coutinho (Mercenárias) e Charles Gavin. Mesmo gravando músicas e com algumas atuações em shows, a banda seguiria apenas com Ciro e Wania, e considerando que os demais integrantes tinham seus próprios projetos pessoais para investirem, encontraram substitutos, os ex-membros do Akira S. e As Garotas que Erraram. Esta nova dentição do Cabine C rendeu o lançamento do único álbum, Fósforo de Oxford, que em 1986 foi bem aceito pela crítica e pelo público, porém, tornou-se um fracasso comercial. A banda findou em 1987. Neste mesmo período, Os Titãs eram mania nacional. Ciro, aos olhos de alguns, lembrava mais um artista "maldito" - sem as conquistas históricas de gente do nível de Walter Franco, Jards Macalé ou mesmo Jorge Mautner.
  Qualquer nome de respeito queria estar no lugar dele quando assunto era colocar na vitrine as músicas que escreveu em parceria com Júlio Barroso, o líder da lendária banda Gang 90 & Os Absurdettes, que desencarnou em 6 de junho de 1984, com apenas 30 anos, ao voar pela janela de seu apartamento, no décimo primeiro andar, em São Paulo. Barroso era um artista a frente de seu tempo, mas, para Carlos "Gordo" Miranda era apenas um gênio em dia com sua geração (uma vez que a juventude brasileira estava sempre um passo atrás em matéria de inovação). O que Júlio fez foi antecipar tendências musicais modernas no Brasil, o que em nada diminui sua obra deixada para a posteridade. E Ciro Pessoa, por essa conexão com Júlio Barroso bem que poderia ter sido mais ousado, bem que poderia ter dado um salto em um nível de vanguarda, mas ficou na promessa, infelizmente.
  Essa é a minha visão e ninguém (obviamente) é obrigado a aceitar. 
     

  Ciro Pessoa era um existencialista, musicalmente bem mais inclinado para o experimentalismo. Vale citar todas as bandas que desenvolveu carreira ou participou: Os Jetsons (já existiu uma banda gaúcha nos anos 1960 com esse nome que depois passou a se chamar Os Brasas), Ricotas do Harlem, CPSP, Ciro Pessoa & Ventilador, Nu Descendo a Escada, Flying Chair e outras menos cotadas. Em grau maior ou menor todas essas tiveram sua relevância no circuito underground e pouco são lembradas em livros que dissecam o rock dos anos 1980, exceto o discutível "BRock", de Arthur Dapieve, que menospreza as décadas de real pioneirismo que foram as décadas de 1960 e 1970. Só destacando as portas abertas por grupos que tinham até carteira assinada para tocar em clubes (em casos comprovadamente pesquisados por mim) e as dezenas de programas de TV que existiam, muito antes da febre dos anos 1980, e que serviram de base para a geração Blitz entrar em ação já com todo o caminho (quase) "pavimentado". Inclusive para o próprio Ciro Pessoa iniciar sua jornada musical que, por falta de sorte ou por problemas casuais de gerenciamento de carreira, ficou restrita a uma lista de coadjuvantes de luxo do rock brasileiro. Não por acaso, sua projeção solo só aconteceu em 2003, com o lançamento do álbum, No Meio da Chuva Eu Grito Help!, pela gravadora Voiceprint Records. Em 2010, ainda conseguiu gravar o segundo trabalho solo, Em Dia com a Rebeldia, pela Rosa Celeste. Sua vida poderia tranquilamente virar um longa-metragem como tantas outras estão virando nos últimos tempos, mas arrisco dizer que investigar sua obra resultaria em algo bem mais interessante a respeito dos longas baseados nas músicas de Renato Russo. Jogo essa ideia no ar na esperança de não ser tragado por algum iconoclasta de plantão. Em tempo: colocar Ciro na lista de coadjuvantes de luxo do rock brasileiro é, ao meu ver, elevá-lo ao Olímpo.   
  Mas nada disso importa agora. Ciro Pessoa partiu para sempre, aos 62 anos, vítima da COVID 19 (Corona Vírus), pois estava numa luta contra um câncer. Vale ressaltar que poucos poetas do pop rock, assim como ele, ainda restam, mas são poucos. E, claro, tudo o que eu deixo aqui são "posicionamentos questionáveis" e estes logo serão esquecidos pelo leitor e pela malha infalível do tempo.
  Em tempo: toda vez que ouvia Ritchie cantar "A Vida Tem Dessas Coisas", eu entendia "A Vida é Feita de Escolhas". Parece que isso se encaixa em alguma coisa que eu disse?   



Texto: EMERSON LINKS.




PARA SABER MAIS, ASSISTA NO YOU TUBE:

Álbum completo da banda CABINE C.




3 comentários:

  1. Grande perda! Vai deixar muita saudade! 😢

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  2. Ciro Pessoa também foi jornalista e escritor e publicou artigos e outros materiais em algumas das principais revistas do país. colaborou com outros nomes conhecidos do rock nacional ao longo dos anos 1990, a exemplo do Ira!, que gravou canções escritas por ele, além de ter cantado nas bandas Cabine C e Flaying hair. Nos anos 2000 ele lançou dois discos solo.cURTO O cabine C até hoje!Perdemos mais um Mestre, ícone do Rock"n"Rool nacional!Suas obras permanecerão, vamos continuar a prestigiar o Rock para que nunca morra!

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  3. Ciro Pessoa (vocal, guitarra) — Wania Forghieri (teclados) — Anna Ruth dos Santos (baixo) — Marinella Setti (bateria) Cabine C foi uma banda brasileira de pós-punk formada na cidade de São Paulo em 1984. De sonoridade bastante inspirada por bandas como Siouxsie & the Banshees, The Cure, Cocteau Twins e Talking Heads, e com as letras do vocalista Ciro Pessoa influenciadas por poetas românticos e simbolistas como Edgar Allan Poe, Charles Baudelaire e Arthur Rimbaud, e pelo dramaturgo Antonin Artaud, Cabine C é a primeira e mais famosa banda brasileira de rock gótico e pioneira da cold wave no Brasil. O Cabine C foi formado em 1984 por Ciro Pessoa, que deixara sua banda anterior, os Titãs, um ano antes. Sua formação inicial consistia em Pessoa nos vocais, Wania Forghieri nos teclados, Edgard Scandurra do Ira! na guitarra, Charles Gavin na bateria e Sandra Coutinho das Mercenárias no baixo. Em 1986, as ex-membros do Akira S e As Garotas Que Erraram Anna Ruth dos Santos e Marinella Setti juntaram-se ao Cabine C, e com esta formação lançaram seu primeiro e único álbum de estúdio, Fósforos de Oxford, pela recém-aberta gravadora RPM Discos, assim chamada por ter sido fundada por Paulo Ricardo e Luiz Schiavon da banda epônima. O álbum teve uma boa recepção, mas não foi bem promovido pela gravadora, resultando em muitas pessoas nem ao menos saberem que ele existia — e, assim, foi um fracasso comercial. Devido a isto iniciou-se uma longa batalha judicial entre o Cabine C e a RPM Discos, resultando no fim de ambos em 1987. Antes de chegar ao fim a banda estava trabalhando num segundo álbum, que iria se chamar Cotonetes Desconexos; porém, ele nunca foi concluído. Uma canção da banda, "Tão Perto", foi incluída na compilação de pós-punk brasileiro underground The Sexual Life of the Savages, lançada em 2005 pela gravadora britânica Soul Jazz Records.

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