segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

AMERICAN GRAFFITI - LOUCURAS DE VERÃO, O FILME QUE CONSAGROU A TRILHA SONORA DOS FILMES DE ROCK AND ROLL COMPLETA 40 ANOS

Texto: Emerson Links.



    Aos ouvidos de um jovem, hoje, mimado pela facilidade da internet, pelo comodismo da TV a Cabo digital e pela comunicação gratuita oferecida por uma infinita variedade de celulares, smartphones e outras "smarts porcarias tecnológicas", fica difícil compreender como o universo juvenil tinha poucas opções, quando se tratava de trilha sonora de um filme e esta era tocada nas rádios oficiais e suas paradas de sucessos. Pior ainda quando o assunto era um simples lançamento de um disco. Existe um papo manjado, desde a época da Revista Pop, e posteriormente na Bizz, que tudo começou com na cola dos Beatles. Ledo engano. Trilhas sonoras de filmes destinadas jovens começaram circular mesmo nos anos 1950, em long-play, "Ao Balanço da Horas" (Rock Around The Clock) é um exemplo único. Foi o primeiro grande lançamento em vinil de um filme de rock em cartaz nos cinemas. Depois, num breve resumo, tivemos, "Rock Rock Rock" (tenho o disco original), com Chuck Berry e excelentes grupos de Do Wopp, isso sem falar em "The Girl Can't Help It - Sabes O Que Quero", que trazia Eddie Cochran, Little Richard e outros roqueiros clássicos. Abreviando tal comentário, depois vieram outros filmes até chegarmos nos Beatles nos anos 1960 e mais tarde, "Monterey Pop", "Easy Rider - Sem Destino" e "Woodstock", numa edição de quatro discos. Acontece que todos esses lançamentos de trilhas sonoras em vinil e fita-cassetes eram muito "espaçados". O filme que mudaria tudo isso seria "American Graffti", de George Lucas. Sim, isso mesmo o futuro diretor de "Star Wars/Guerra nas Estrelas". No Brasil, o filme foi rebatizado de "Loucuras de Verão", estreando,de tal forma, em 1973.
   Era um "momento contra-mão" para se lançar uma trilha sonora de um filme marcadamente jovem, que trazia canções nostálgicas e o velho rock dos anos 1950. Tanto no Brasil quanto no resto do mundo, as pessoas estavam acordando do sonho hippie, que logo em seguida se converteria em um porre monumental. O movimento deixou sequelas, sim. E uma ressaca para compensar tudo isso, no início dos anos 1970, era recorrer a nova onda de  bandas de rock pesado, que vinham aparecendo desde 1967-1968 (existem divergências entre tais datas), além da opção do rock progressivo e uma onda de artistas brasileiros que gravavam músicas em inglês a fim de tonificar o novo pop: Mark Davis, Steve MacLean, Morris Albert, Dave MacLean, Terry Winter, entre outros, somando-se a grupos de diferentes influências e origens, tais como Sunday, Lee Jackson, Pholhas e outros menos ou mais cotados. Já os caretas começavam a ouvir baladas country açucaradas (não as boas) e o novo "Elvis Presley" que estava em alta (menos rock e mais brega) não era mais aquele menino transgressor dos anos 50. Apesar do excelente álbum e show, que futuramente seria lançado em video, o "Aloah From Hawaii", Elvis não era mais a bola da vez (ao menos para a maioria dos jovens setentistas) e tão pouco podia participar da trilha sonora de filmes juvenis com músicas de rock, principalmente pelo preço salgado que eram cobrados os tais "royalties". Ainda, em outra faixa vibratória, a juventude vibrava com David Bowie (através do glitter rock de "Ziggy Stardust" e similares), que acabaria não sendo lançado nos cinemas brasileiros. Era duro ser adolescente nestes tempos de entressafra, o rock no cinema estava atravessando por um novo processo de revitalização, as opções, na maioria das vezss, eram sempre fracas, com exceção de um filme de Frank Zappa, "200 Motels"; e um filme muito louco do cineasta Terrence Malick, batizado de "Terra de Ninguém" (Badlands), sem música juvenil, o tempo todo e estrelado pelo possível sucessor de James Dean, um cara chamado Martin Sheen (hoje pai dos atores Charlie Sheen e Emilio Esteves). Fora a temática rock and roll, os jovens podiam se divertir com "O Exorcista" ou "Westworld", mas isso não supria as necessidades da tenra idade. Tudo isso era muito pouco em relação as décadas anteriores, 1950 e 1960, quando se produzia mais filmes de cultura pop.
  Entretanto, apesar dos pesares pesando, foi durante essa transição que um cineasta sonhador, George Lucas, realizou um filme de ficção experimental conhecido como "THX 1138" (1971), que foi boicotado pelos insensíveis executivos da Warner, mas este tinha na manga um grande aliado chamado Francis Ford Coppola (diretor de "O Poderoso Chefão"). Massacrado pela crítica e incompreendido pelo público ainda não iniciado para o tipo de trabalho que estava apresentando, o jovem George Lucas teve a ideia de realizar um filme semi autobiográfico. Na verdade, metade dessa ideia veio de Francis Coppola que disse a Lucas que este devia investir em um filme leve e divertido. Como filmes juvenis começavam a dar certo (novamente), numa fórmula superior a dos anos dourados, a produção engrenou. Mesmo sem uma trilha sonora de rock acessível, George teve um "insight": escreveu um argumento básico, porém procurou dois roteiristas para cristalizar sua ideia. A história seria ambientada numa cidade interiorana dos Estados Unidos (Lucas era de Modesto, California), onde se desenrolaria a última noite de ócio de dois jovens que, em 1962, ainda nos tempos da brilhantina - dos pés aos cabelos, seguiriam carreira na cidade grande, Curt (Richard Dreyfuss) e Steve (Ron Howard), que assim como seus amigos, John Milner (Paul Le Mat), Terry (Charles Martin Smith),e  as garotas, Laurie (Cindy Williams), Debbie (Candy Clark) e Carol (Mackenzie Philips), resolvem não dormir em suas casas e saem para curtir alguma balada oportuna, dando um rolê mesmo pela cidade. O tal passeio (rolê) noturno quase todos personagens o fazem em máquinas possantes (leia-se conversíveis e cadillacs velozes), alguns dos principais alunos (da trama) vão ao baile de formatura na escola secundária, outros vão "lanchar" num fast food e assim por diante.
  Aparentemente a trama, sob o ponto de vista dos leigos ou não iniciados, poderá soar "bobinha", mas na verdade, trata-se de uma comédia dramática sobre a transição da adolescência para a fase adulta. E o melhor: o filme foi sabiamente recheado com grandes clássicos do rock and roll e mais algumas bandas que eram quase desconhecidas até mesmo no final dos anos 1950 e início dos 60. Nada menos que 41 grandes pérolas dos rebeldes e dourados do rock and roll. Além de uma boa sacada em termos de histórias bem costuradas, e (repetindo) o filme idealizado por George Lucas, com o suporte de Francis Ford Coppola, tinha o acréscimo de muitas canções que rodavam como pano de fundo. E esse pacote de canções acabaria se tornando uma verdadeira aula para quem pretendia ser iniciado no rock and roll dos primórdios. Nele você ouvia Bill Haley e seus Cometas, Buddy Holly, Chuck Berry, Fats Domino, Frankie Lymon & The Teenagers, Buster Brown, Buddy Knox, Bobby Freeman, Johnny Burnette, contrastando com nomes jamais ouvidos (antes) fora dos EUA, tais como Flash Cadillac and The Continental Kids, The Crests, The Spaniels, The Fleetwoods, The Regents, The Monotones, The Del-Vikings e tantos igualmente brilhantes (ou praticamente isso). Se você baixar esse disco, hoje, para ouvir (melhor mesmo seria conferir o triplo vinil original lançado) vai descobrir porque todos esses nomes mencionados marcaram uma geração e, durante a execução do disco, o ouvinte será recepcionado pela esporádica intervenção do lendário D.J. Wolfman Jack. A única discreta e pequena gafe do disco foi inserir uma faixa dos Beach Boys lançada em 1964, considerando que a ação do filme se passa somente em 1962. No mais, o disco é uma tremenda festa de hits, que ganhou um novo público jovem em 1973 (mesmo que tivesse sido endereçado a duas gerações anteriores acabou vingando). "Loucuras de Verão" foi um marco. Uma inesperada bola dentro de George Lucas, um cineasta que foi um adolescente no período em que o filme e o disco foram ambientados com tal conteúdo.
   Outra grande curiosidade de "American Graffiti" foi trazer como coadjuvante Harrison Ford, o futuro Han Solo personagem de "Star Wars", também dirigido por Lucas, então desempregado na industria do cinema e trabalhando como carpinteiro dos "poderosos" e, que mais adiante, encarnaria outro herói clássico dos filmes de aventura, Indiana Jones. numa quadrilogia que faria muito sucesso nos cinemas dos anos 1980. Ford é Bob Falfa, um corredor que sai em busca de John Milner para um racha. A sequência final entre Falfa e Milner é antológica. Mas tomem cuidado com o Wikipedia Brasil (cada vez mais desinformando o leitor da internet) onde se lê que Dustin Hoffman interpretou Jeff Anderson. Isso se trata de uma grande inverdade. Os outros atores do elenco acabariam fazendo sucesso em outros filmes: Richard Dreyfuss trabalhou em "Tubarão" (Jaws), de Steven Spielberg; Charlie Martin Smith viveu Buddy Holly em "Buddy Holly Story" (1978) e um contador em "Os Intocáveis" (1987); Cindy Williams foi convidada por Francis Ford Coppola para atuar em "A Conversação" (1974); Kathleen Quinlan, mais tarde ainda, atuaria com Val Kilmer em "The Doors" e Paul Le Mat fez o cara que deu carona para o milionário de Howard Hugues em "Melvin and Howard". Mas nem todos se deram bem. Figuras apadrinhadas pela produção caíram no esquecimento como o filho do primeiro Tarzan de sucesso no cinema, Johnny Weissmuller Jr., Mackenzie Philiips, que nunca mais se ouviu falar, e até mesmo Suzanne Sommers, atriz e autora de best sellers. O relativo chicano Manuel Padilla Jr. ficou mesmo quase reduzido a um figurante. De marcante, entre as personalidades convidadas, marcou o registro muito especial da banda Flash Cadillac and Continental Kids. E quanto ao ator com cara de gaiato, Bo Hopkins, que teve a sorte de atuar em clássicos como "Meu Ódio Será a Sua Herança" (1969), "Os Implacáveis" (1972) ou mesmo no aclamado "O Expresso da Meia-Noite" (1978), nunca mais deu vôos maiores em sua carreira, visto que sua última aparição sutil no cinema foi numa sequência de "Um Drink no Inferno" (1999). 
   O filme, depois de fazer um estrondoso sucesso em 1973 e tirar o nome de George Lucas do vermelho, ganhou uma continuação, poucos anos depois, chamada "More American Graffiti", com a maioria do elenco repaginado, inclusive há uma ponta não creditada do já famoso Harrison Ford. Por sua vez, ocupado com o segundo filme da trilogia de "Guerra nas Estrelas", George Lucas, não quis dirigir a sequência e deixou a cargo de Bill L. Norton. Desta vez, a história é contada mostrando todos os anos posteriores (simultaneamente) da vida de cada personagem durante a fase adulta. O rock dos anos 1950 dá lugar ao pop rock psicodélico e outros estilos como o fusion, o soul e demais variantes. Diga-se de passagem: a trilha sonora funcionou muito melhor que o próprio filme. Mesmo assim vale a pena assistir e conhecer o destino final de John Milner anunciado no primeiro filme. Aliás, conversei com o próprio ator, Paul Le Mat (hoje meu amigo no facebook), que confirmou não ter aprovado a edição final deste segundo "American Graffiti". Lembrando que em tal época, George Lucas colocou esse projeto de lado porque tinha que se dedicar a sequencia de "Star Wars" (O Império Contra-Ataca"). O cineasta não podia mexer em time que estava ganhando. O primeiro "American Graffiti" tinha gerado lucro e aceitação popular, mas "Guerra nas Estrelas" realmente foi a consagração mundial. Se houvesse aliens entre nós, ele (George Lucas) teria sido famoso em todas as galáxias.
  Pois bem... Encerrando esse texto, em homenagem aos 40 anos de "American Graffiti", deixo minhas vaias para a distribuidora Universal, por não ter lançado o bluray edição especial comemorativa com a dublagem clássica da TV (preferida por alguns saudosistas). Esse lançamento no Brasil seria mais que merecido. Pior. Nem pensaram em corrigir a grande mancada de não legendar os extras na versão em DVD. Esperamos que sigam o exemplo que haviam dado antes quando lançaram "The Outsiders" (1983), filme juvenil de Francis Coppola, que é quase um ancestral de "American Graffiti". Pelo menos, "Grease - Nos Tempos da Brilhantina" (1978), lançado pela Paramount, trouxe uma edição recheada de belos extras, a fim de compensar o descaso dos distribuidores da Universal Pictures.
  Então, é isso, pessoal. Tá dado o recado.

Em tempo: Matéria escrita em 2013.

Ron Howard, Candy Clark e Charlie Martin Smith.

O galã e puglista Paul Le Mat.

Atores ensaiando para o filme.

Ronny Howard, que depois virou Ron Howard. Ator da série de sucesso "Happy Days" e futuro diretor de cinema com filmes bem sucedidos nas bilheterias como "Splash Uma Sereia em Minha Vida", "Cocoon", "Willow", "O Código da Vinci", entre outros.

Bo Hopkins.


O lendário D.J. Wolfman Jack, responsável pelos clássicos que rolam no rádio durante todo o filme.

7 comentários:

  1. Excelente sua matéria Emerson. Adoro seu jeito crítico como escreve e descreve dando ênfase a todo texto. Parabéns e sucesso sempre meu cinesta predileto, beijos!

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    1. Obrigado. Fico envaidecido por suas palavras, Dirce. Obrigado mesmo. Um beijo.

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  2. Caramba Emerson! Você vai fundo nas pesquisas. Esmiuçadas! Verdade! Parabéns!

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    1. Agradeço o valioso comentário edificante do grande amigo e pioneiro do rock George Freedman. Saúde, paz e prosperidade, como sempre digo. Abraços.

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  3. Parabéns pela pesquisa e texto. Vou compartilhar.

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    1. Muito agradecido pelas palavras do ilustre Victor Riccelli, um grande guerreiro da cena rocker no Brasil. Abrção.

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  4. Com vc ficamos por dentro de tudo..realmente vc é demais..parabéns...vc beneficia todos..desejo que tbm tirar proveito de seu belo trabalho..bjos da sua fã nanda

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