segunda-feira, 5 de novembro de 2018

CÉLIA VILELA NA BÍBLIA DO ROCK

CÉLIA VILELA, UMA DAS PIONEIRAS DO ROCK BRASILEIRO POUCO CONHECIDA DA NOVA GERAÇÃO, SERÁ RETRATADA NA SÉRIE "A BÍBLIA DO ROCK", QUE EMERSON LINKS VEM PREPARANDO A SETE CHAVES.






Se tudo correr bem, o projeto pretende surpreender a todos que imaginavam não existir uma cena musical jovem antes da jovem guarda. O tom será altamente realista e baseado em depoimentos de artistas, fãs e comunicadores vivos e, também, já falecidos (mas que deixaram uma forte contribuição para a obra, ainda em processo de finalização de pesquisa.
  "Como são seis décadas de história do rock, passei praticamente mais de uma década pesquisando e dividindo tudo por unidades. Entrevistar os pioneiros foi mais complicado porque muitos, por fatores biológicos, já estavam com saúde em risco ou morreram entregues a uma vida irregular de estrada e muito sacrifícios", afirma Emerson. E completa: "Muita gente me criticou pela demora, mas queria realizar um trabalho de Primeiro Mundo num país de Terceiro. A maioria que tentou me imitar quebrou as caras fazendo tudo às pressas só para lançar e sem detalhes fundamentais de cada personalidade biografada. Saber como cada artista se expressava, seus trejeitos, manias, era essencial para alcançar o máximo de realismo".


CÉLIA VILELA - UM RESUMO DA TRAJETÓRIA


Texto: Emerson Links.


  O nome de batismo era outro: Célia da Conceição Villela. Chegou ao mundo em 24 de novembro de 1936, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Pouco depois de aprender a andar já tinha a música como maior influência em seus ouvidos devido ao período muito rico que viveu, ou seja, os anos dourados do rádio brasileiro (não existia TV e internet (nem nos contos de ficção cientifica). Ela cresceu ouvindo os cantores clássicos da MPB que priorizavam a qualidade da voz, como a afinação e o tom melódico (algo inexistente nos dias de hoje, graças aos produtores semiletrados, incultos, que emergiram a cena musical e expandiram a mediocridades nas paradas de sucesso. No passado jamais alguém viraria empresário ou divulgador sem a chamada meritocracia. Enfim... Voltando ao passado da cantora, que em 1940, aos anos 4 anos, foi levada por sua mãe a um programa infantil das Emissoras Associadas de Belo Horizonte, quando ficou claro que ela era um talento mirim. Quer mais? Célia se tornou presença permanente no programa de rádio. Naqueles tempos, se você não tivesse voz estava fora. Se alguém se vendia para produzir alguém por dinheiro, era raro, por exemplo, algum filho de fazendeiro que quisesse ser cantor (sem talento) e que fosse pago para ficar no rádio. Havia ética, hoje basta ter grana, dormir com produtor gay ou ter amizade influente para alcançar o sucesso (o resto tudo é fabricado). Havia exceções como Cauby Peixoto, nos anos 1950, que tinha muito talento vocal, que se utilizou de tudo que conspirava a seu favor, mas fora isso, era um performer, como poucos. Hoje, o que temos é a celebração da mediocridade, da banalização dos modismos. Existiram medíocres no passado, mas, quem não tinha voz para seguir carreira, não passava no teste que era feito com o público e ponto final. Jair de Taumaturgo que o diga!... Outros Djs ainda vivos podem confirmar isso como Miguel Vaccaro Neto e Antônio Aguillar.




  Aos 13 anos, cantava profissionalmente em um momento que o baião era a bola da vez, situação que a tornou a rainha do gênero na cena mineira, a ponto de comandar um programa próprio na Radio Guarani, de Belo Horizonte, que foi batizado de "Aí Vem o Baião", ainda no início dos anos 1950. Ainda era colegial, mesmo assim, foi para o Rio de Janeiro e assinou contrato com a Radio Tupi. Foi emancipada aos 15 anos, a fim de fazer carreira cantando à noite em night clubs (nome que eram chamadas as boates) e também trabalhou para Carlos Machado (grande produtor de espetáculos, na época). O primeiro disco gravado por Célia Vilela saiu pela gravadora Todamerica, um compacto de 78 rpm, lançado em agosto de 1956 e que trazia duas canções ("O Resto Eu Faço" e "Hermengarda"). Somente depois, durante uma viagem aos Estados Unidos, quando se deparou com o rock and roll tocando muito nas rádios é que decidiu seguir carreira no gênero musical ainda engatinhando no Brasil. Célia ficou fascinada por Elvis Presley e outros nomes que despontavam. Ficou ciente que o rock tinha futuro e era o melhor caminho para sua carreira. Tão fascinada mesmo que se tornou a primeira DJ de rock, numa época em que somente os homens davam às cartas em programas de rádio e TV e que as demais cantoras rivais não ousavam se aventurar além dos palcos. Isso tudo ocorreu, por volta, de 1960, período que a cantora mineira gravou o compacto duplo de 78 rpm, com os seguintes rocks: "Conversa ao Telefone" e "Trem do Amor", ambos sucessos americanos com versões escritas por Fred Jorge. Mesmo sendo atrevida para os padrões da época (pois Celly Campello fazia mais o tipo boa moça de família) e mesmo cantando músicas com letras bastante sugestivas como "Striptease Rock", Célia não decolou carreira tanto quanto merecia.
  Sua história passou praticamente em branco em livros, programas de rádio em forma de tributo, etc, e jamais foi uma personalidade lembrada em documentários sobre a história do rock no Brasil. Sempre se fala naquelas cantoras que tiveram uma suprema exposição, tais como Celly Campello, Rita Lee e assim por diante, mas nunca um historiador ou produtor de programa de TV trouxe um assunto como esse à tona, com tanta verdade como o projeto A BÍBLIA DO ROCK pretende trazer. Seu último álbum foi lançado em 1964, um ano antes do surgimento do programa Jovem Guarda e de casar com o músico Carlos Becker. A união estável (e sagrada para a época) ocorreu em 30 de setembro de 1965 (e foi documentada em uma reportagem escrita pela Revista do Rádio), sendo que logo em seguida, ela ainda se apresentaria com o marido e o The Angels na TV. A pressão pelos compromissos de ordem doméstica pesaram mais e também valendo pelo fato de novas cantoras rivais ofuscarem sua visibilidade na mídia, tais como Wanderléa, Rosemary, Meire Pavão e Cleide Alves. Nessa época, Celly Campello, a rainha do rock, e também Sônia Delfino, já tinham saído das paradas de sucesso. Celly tinha casado com o contador da Petrobrás, Eduardo Chacon, em 1962, enquanto isso, Sonia focava sua carreira bem mais na MPB e Bossa Nova. O rock and roll já não era tão Elvis Presley e, para resumir, estava mais para as bandas inglesas Beatles e Rolling Stones. E a americana teen Brenda Lee fora substituída pela cantora italiana Rita Pavone, no gosto popular da juventude brasileira.



   
  Ela saiu de cena e nunca mais voltou. Durante décadas, após o encerramento da carreira levou a vida como uma cidadã comum. Jamais aceitou dar uma entrevista falando do seu passado e pioneirismo no rock and roll. Calou-se para sempre e morreu sem reconhecimento algum (em 1º de janeiro de 2005). Em contrapartida, Célia Vilela ainda é lembrada por uma pequena porém carinhosa parcela de colecionadores e fãs remanescentes. Espero conseguir fazer justiça com o futuro longa-metragem e também a série. Ela e muitos outros esquecidos merecem!