terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

40 ANOS SEM BILL HALEY - ARTISTA CONSIDERADO POR MUITOS ESTUDIOSOS O "PAI DO ROCK AND ROLL"

Seu falecimento em 9 de fevereiro de 1981 não obteve nem 20% da repercussão sobre o desaparecimento de Elvis Presley em 16 de agosto de 1977 (desaparecimento no plano físico, para que fique registrado). Pois bem... Haley estava na chamada "meia-idade", atravessou poucas gerações e era (quase) sempre festejado como a força básica do rock dos primórdios. Aos 55 anos, em tom pacato, morreu solitário num quarto de sua residência no interior do Texas, de uma inadvertida parada cardíaca. Desconfiava-se que ele estivesse sofrendo do Mal de Alzheimer, doença incurável onde perda de memória e confusão de informações são os principais sintomas. Triste crepúsculo para quem trazia alegria para multidões durante décadas e décadas, mesmo que estivesse sempre mergulhado na nostalgia.
Nos últimos tempos de vida, jornalistas revelaram que um policial local afirmava que Bill não apreciava solidão e necessitava de qualquer pessoa para conversar. Bastavam de 5 a 10 minutos de conversa para tirá-lo da fossa, mas diziam que ele realmente parecia não estar batendo bem dos pinos. Em tempos que a garotada já estava mais concentrada no rock pesado e no som progressivo, exercitar a nostalgia soava como sinal de caretice (algo inimaginável nos dias de hoje). Pouco antes da morte de Elvis trazer uma nova febre de redescobrimento de valores dos primórdios do rock and roll, Haley já estava se sentindo senil. Desde 1975, depois que regressou de sua tour pela América Latina, o homem que cantava o hino de um gênero que balançou a sociedade ocidental em meados do século XX, vivia numa modesta cidade de Harlingen. De homem simples e de aparência caipira havia se transformado numa figura bizarra. Ignorava contato com a imprensa e mentia sobre seu endereço. Em várias ocasiões era flagrado perdido nas estradas, nos campos e demais cantos da região, assim diziam os policiais. Na verdade, errava o caminho por bloqueio algum tipo de bloqueio mental. Notícias distribuídas em 8 de fevereiro de 1981, pelas agências, entregavam que ele estava escrevendo sua autobiografia e expressava um desejo de retomar a vida artística. Seu exílio não era algo comparado a ostracismo, era uma estratégia de quem lutava contra um mal progressivo e que possuía esperança de alcançar uma revitalização física e mental. Por mais que alguns influenciadores you tubers criem falsas narrativas sobre as origens do rock and roll, Bill Haley jamais será esquecido. A morte, em 1981, eternizou seu nome. Não era considerado "O Rei do Rock", mas "Pai" certamente ele o foi. Alan Freed era o disc-jóquei que havia cunhado o rock, porém, Bill Haley e seus Cometas eram pais do hino do gênero, "Rock Around The Clock".
Muitos se identificavam com Bill Haley porque ele simplesmente não era um tipo de sujeito inalcançável. Não tinha pinta de galã e nem era atlético, pelo contrário, era matuto, de cabelos pouco volumosos para um topete temperado por brilhantina. Vestia-se bem ao contrário dos rebeldes-sem-causa dos anos 1950. Os jovens buscavam revolução no visual e no comportamento, desobedecendo os pais e buscando novos padrões nos hábitos e costumes. E por essas e outras que o cidadão comum, uma boa maioria, se via nele. Antes de ele virar artista da mídia, Bill (William John Clifton, nascido em Highland Park, Michigan, em 6 de julho de 1925) era músico country, entre outras variações da época. Haley teve o privilegio de poucos: o de pertencer a uma família de músicos. Seu pai tocava banjo e bandolim, enquanto sua mãe se revezava ao piano e órgão. As músicas eram invariavelmente country and western (a música caipira de essência americana) e, aos 7 anos, Bill unia-se aos pais dedilhando uma guitarra. Seu primeiro grupo profissional, Down Homers, surgiu em 1946, depois do qual ele passou a assumir carreira solo. Ele, mesmo com a vantagem de gravar discos sob a proteção de produtores, fracassou em vários compactos country, em tempos que dividia a vida de músico itinerante e DJ. A grande virada em gênero e êxito iniciou quando, ainda imberbe, criou seu próprio grupo, o The Sanddlemen, que era visto tocando em clubes e festas de colégio. Aos 18 anos, formado na escola secundária, arriscou viajar com sua banda por muitas cidades do Meio-Oeste Americano. Assim como mandava o figurino, tocavam música country, mas o que tornava tudo especial era a marcação mais rápida que a usual - com um caldo instrumental de rhythm and blues que cativava os adolescentes daquele momento. Assim foram surgindo versões de canções tais como "Rocket 88" e "Rock The Joint" (apesar de remeter a Jackie Brenston e Delta Cats era, na realidade, uma composição normalmente executada por Ike Turner and The Kings of Rhythm. Detalhe: Jackie Brenston que era saxofonista do grupo assumiu os vocais nesta gravação). Em suma, a germinação do rock tinha origem na regravação dos clássicos.
Em 1952 e até muito antes disso, o já citado DJ Alan Freed tinha seu programa de rhythm and blues. Reza a lenda e os depoimentos repassados através de décadas e décadas que teria sido ele, enfim, "o padrinho do rock and roll". A expressão "rock" já existia para nomear outras ações e reações comportamentais do homem moderno daquele tempo. Até em blues você podia encontrar essa palavra. Resumindo: Bill Haley, músico branco e naturalmente americano, cidadão exemplar e pinta de conservador, era mais adequado que os jovens músicos negros que saíam de grupos ou de gravadoras como, por exemplo, a Sun Records (de onde surgiria, também, um branco - Elvis Presley - entre outros). The Sanddlemen virou Bill Haley e seus Cometas. Bill assinava Haley (com um "L" apenas), um trocadilho com o famoso cometa que passa pela Terra a cada 76 anos. Em 1953, "Crazy Man Crazy", foi a primeira composição de Haley a ingressar nas paradas de sucesso americanas. No ano seguinte, mudou o andamento de "Rock Around O'Clock", mas apenas conseguiu registra-la em 12 de abril de 1954. Isso não impediu o conjunto de Bill Haley e seus Cometas obter fama mundial com sua versão para "Shake, Rattle and Roll", composta por Big Joe Turner. A mais promissora ganhou repercussão graças sua veiculação no filme "Blackboard Jungle / Sementes da Violência", lançado nos cinemas em 1955. O filme dirigido por Richard Brooks retratava um novo tipo de juventude que surgia na época. Atores como Vic Morrow e Sidney Poitier encarnavam personagens muito influenciadores. Eles eram a própria geração rock and roll em carne e osso. Antes, sem o gênero "rock", Marlon Brando já havia antecipado comportamentalmente o que viria pela frente, em "The Wild One" / O Selvagem", durante o desenrolar de 1953. Pilotando motocicleta, usando calças jeans e jaqueta de couro, exibia o que havia de mais moderno em termos de comportamento juvenil. No mesmo ano de "Sementes da Violência", surgia, com mais força de expressão, James Dean, que mesmo sem sequer ter ouvido ou encontrado tempo para assimilar o rock and roll se tornaria o símbolo do movimento. Símbolo no cinema, é claro. Dean entrou para a história protagonizando apenas três filmes: "East od Éden / Vidas Amargas" (1955), "Rebel Without a Case / Juventude Transviada" (1955) e "Giants / Assim Caminha a Humanidade (1956). James Dean não chegou a ver este último filme concluído porque morreu em um acidente na estrada com sua porsche em 30 de setembro de 1955.
Enquanto Bill Haley e seus Cometas explodia com "Rock Around the O'Clock", mais uma vez nos cinemas, desta vez, no filme "Ao Balanço das Horas", um jovem vindo do interior dos EUA, assim como ele, porém, visualmente mais atraente e dono de uma voz negra inigualável, começava a fazer sucesso entre os jovens nas rádios e nos palcos, consequentemente no cinema e na TV. Existia o fato de muitos jovens preferirem Bill Haley a Elvis Presley justamente por questões apresentadas no início deste texto. Era mais fácil ter um sujeito fisicamente comum como ídolo que um ser humano de beleza exuberante com o qual era mais dificil de ser imitado. O próprio Carl Perkins no documentário History of Rock and Roll dizia que tentava encontrar cicatrizes, qualquer defeito no rosto de Elvis Presley e sempre voltava dizendo que Deus o havia criado com perfeição. Elvis foi declarado pela mídia da época como "O Rei do Rock", mas a vaga de "Pai" sempre pendia para Haley. Os outros, apesar de geniais, vinham atrás ou oscilavam. Pelo simples fato de constar na galeria de artistas chamada de race music, Chuck Berry, Little Richard, Fats Domino e outros, não constavam nas paradas oficiais, por um bom tempo. Bill e seu grupo estavam no topo porque eram os desbravadores do novo ritmo. Uma coleção de hits fizeram história: "See You Later Alligator" (que, no Brasil, em 1957, ganhou uma versão em português interpretada por Agostinho dos Santos); "Don't Knock the Rock", The Saint's Rock and Roll", "Razzle Dazzle", "Rip it Up", entre muitos. Por sinal, a cantora brasileira Nora Ney gravou sua versão para "Rock Around O'Clock" e, em seguida, o clássicou ganhou uma releitura em português através da cantora Heleninha Silveira. Obviamente que as músicas de Bill Haley acabariam influenciando a juventude inglesa que, logo em seguida, criou seus próprios ícones. Os Beatles (coisa que todo mundo sabe) começou carreira interpretando clássicos do pioneiro americano. Os ingleses eram malucos por guitarras. Eles tiveram forte influencia na segunda geração do rock and roll que viria com muito peso na década de 1960.
Com a campanha caça as bruxas instalada pelo congresso conservador americano, o rock and roll, assim como simpatizantes do comunismo, virou alvo de diversas investigações, como por exemplo, o escandalo da payola (origem do jabá, a propina que os DJs das rádios cobravam para tocar insistentemente uma determinada música). Alan Freed, o comunicador mais famoso e grande defensor do rock, passou a ser perseguido e investigado, inclusive acusado por sonegar impostos. Ele morreria em 20 de janeiro de 1965, aos 43 anos de idade, em Palm Springs, California, EUA. Seu rival, Dick Clark, rico e bonito, era visto com simpatia pelo congresso e escapou da "perseguição". O twist era uma dança, porém virou canção após Chubby Checker regravar a composição de Hank Ballard, que tinha seu próprio grupo e não fazia tanto sucesso assim. Clark soube vender o rock de forma domesticada e atraente. Até os mais velhos dançavam "twist". A onda passou depressa, quando os Beatles invadiram as rádios e os programas de TV nos Estados Unidos. No principio, The Beatles era uma banda aparentemente inofensiva, mas, logo, progrediu musicalmente, ganhando prestígio e elogios da crítica. Isso aconteceu com outros artistas e bandas que foram renovando a cena, inclusive na folk music com Bob Dylan, Joan Baez e congeneres. Com isso e muito mais, a música de Bill Haley foi envelhecendo em ritmo virtiginoso, pelo menos no tempo em que o rock passava por uma nova mudança, na linha evolutiva dos anos 1960, havia, além de Beatles, Rolling Stones, Who, Animals, etc. Esses grupos foram transformando tudo que havia surgido antes em nostalgia, bem mais depressa que todo mundo poderia imaginar. Somente na década de 1970, com uma abertura de "Rock Around O'Clock" no segundo longa-metragem de George Lucas, "American Graffiti", lançado com sucesso em 1973, e os shows de resgate nostálgicos, foi que Bill Haley e seus Cometas retornou as paradas. O grupo chegou a fazer uma excursão pelo Brasil em 1975, pela segunda vez (sendo que a primeira havia sido em 1958, com um micro show de abertura de Roberto Carlos, no Maracanazinho e uma apresentação na TV Record). Em 1975, um novo ícone, Raul Seixas já havia regravado, há muito tempo, "Rock Around O'Clock", reaproximando a nova geração, a geração "1970", com os primórdios da música jovem. Bill arriscou muito, pagando mico de misturar samba com rock, através de gravações com o esquecível Lee Jackson. Há quem aprecie esse tipo de experiência, eu particularmente repúdio a ideia de combinar dois ritmos tão antagônicos (aparentemente são funcionais durante uma condensação, mas o sabor é bastante comprometedor). As vezes isso funciona, mas não aqui, neste caso. Um projeto que vale a pena somente como registro histórico. E o lance de alguém dizer que Haley estava apadrinhando o grupo Lee Jackson com o "presents" na capa não é uma sacada de mestre e sim uma tremenda picaretagem usou o nome do artista gringo para o lançamento em disco de um produto tão duvidoso. Sendo assim, prefiro ouvir regravações de bandas que conheço bem e possuem afinidade com as origens do rock como a banda gaúcha Barba Ruiva e Os Corsários, The Big Trep, The Krents, Ready Teds (extinta), entre outras. Essas realmente merecedoras de honrar a memória de Bill Haley e seus Cometas.
A banda de Bill Haley seguiu em frente, após a morte do seu maior fundador em 9 de fevereiro de 1981. É redundante afirmar que os anos dourados do rock and roll jamais foram revisitados com a mesma intensidade e originalidade. A esperança é que, com o avanço da tecnologia digital, possamos assistir um show holográfico em nível superior aos que já foram apresentados por detentores de imagem de outros artistas (leia-se Elvis Presley e derivados). Resta saber o quão será necessário atiçar a mente de uma geração que está mergulhada no trash funk, na música eletrônica fake e nos ritmos latino americanos por demais bregas. O público do rock and roll clássico, hoje, é um público minoritário. Seria necessário muita mídia, inovação em matéria de efeitos especiais, reconstruir toda uma atmosfera de época em 3D, VR, etc, ou até que uma nova proposta de espetáculo visual e sonoro seja capaz de tirar alguém de casa. Em tempos em que a interatividade dá todas as cartas será impossível algum entertainer trazer de volta "Bill Haley e seus Cometas". Se os próprios primeiros anos 2000 já estão se tornando nostálgicos... o que restará aos sobreviventes das últimas décadas? Gostaria muito de ter tal resposta, então tudo o que posso oferecer é esse momento de reflexão. Texto: EMERSON LINKS.