sábado, 22 de maio de 2021

RITA LEE ESTÁ REALMENTE PRESTES A NOS DEIXAR?

Dez entre dez fãs do rock clássico brasileiro foram pegos de supresa por uma terrível notícia: "a Rainha do Rock está com um tumor no pulmão esquerdo". Se a informação tivesse vindo de algum blog de colecionador ou de algum jornalista independente até vá lá ... A informação seria checada até a exaustão evitando assim mais um adereço para uma enxurrada de fakes news, ocorre que, até mesmo, a grande imprensa ficou de queixo caído com uma nota publicada na conta oficial da artista no instagram, na última quinta-feira, dia 20 de maio.
Após enfrentar um check up no Hospital Israelita Albert Einstein, Rita Lee, a cantora de maior sucesso nas paradas a partir de meados da década de 1970, foi diagnosticada com um tumor primário no pulmão esquerdo. Evidentemente que isso será apenas o início de uma temporada que renderá muitas especulações e, sobretudo, notícias falsas sobre o estado de saúde da artista. Por se tratar de figura lendária, afastada dos palcos e gravações de discos, obviamente trará à tona muitos ensaios jornalísticos, tributos precoces e, até mesmo, entrevistas exclusivas. Por sinal, trata-se de uma das poucas personalidades que ainda não gravou depoimentos para "A Bíblia do Rock". A cantora apenas aparece numa foto com Serguei em reportagem de página inteira escrita pelo jornalista Marcos Santuário, no jornal Correio do Povo de 2001, em tempos que eu ocultava o nome original do projeto utilizando o título de "Ritmo Rebelde". Com o registro em 2003, finalmente com o nome "A Bíblia do Rock", dei continuidade a agenda iniciada em 1999, cumprindo um cronograma de gravação de entrevistas com bandas e artistas de várias épocas dos anos 1950 a 2020. Até então, 2 mil e 19 personalidades entrevistadas, incluindo nomes que se consagraram no cinema e na TV.
Um amigo de longa data em um determinado dia me questionou: "Qual a necessidade de ter gravado todos os nomes (ou quase) todos nomes da história pessoalmente se o livro promete ser apenas um estudo profundo contendo informações ineditas sobre os pioneiros do rock and roll?". Respondi de cara: "Porque isso me deu mais credibilidade e justa causa, além de eu ter sido testemunha ocular dos tempos que eu passei a alcançar o rock presencialmente". Nos meus calculos, se quisesse incluir todos os sobreviventes do som que mudou gerações, eu teria que abandonar os projetos paralelos por nada menos que vinte anos. Pior: seria necessário uma paciência de monge (haja vista outros historiadores interessados em dissecar o tema) e disposição para trabalhar full time (o projeto não envolveria só mídia impressa e sim algo mais além no plano audiovisual). Houveram sempre desencontros geográficos para que eu, enfim, pudesse conhecer a grande eleita Rainha do Rock (nem Celly Campello conseguiu manter o título por tanto tempo, por causa de sua carreira relâmpago, pois se casou em 1962 com um contador da Petrobrás, Eduardo Chacon, passando a ser lembrada sempre como pioneira do ritmo jovem). Em tal época, Rita era uma das backvocals de Tony Campello (vide "Pertinho do Mar", lançada em 1965) para, logo em seguida, passar por bandas que se tornariam conhecidas como a gênese de Os Mutantes (leia-se O'Seis). Como todo mundo sabe, os já iniciados principalmente, Rita Lee Jones, nascida em 31 de dezembro de 1947, no bairro Vila Mariana, em São Paulo, optou por carreira solo em virtude das diferenças criativas entre os músicos-fundadores de Os Mutantes e demais questões que não vem ao caso, neste momento. Rita chegou a formar a dupla, As Cilibrinas do Éden, com Lucia Turnbull, de curta duração. Os Mutantes entraram em outra, partindo essencialmente para o som progressivo, por demais frutífero na década de 1970. E a pergunta que perturba a minha mente constantemente é meio Stephen King: "...E se eu tivesse vivido os anos 1970? Não teria documentado tudo, desde o início, como passei a fazer na vida adulta, especificamente a partir dos anos 1990?... Seria o mesmo que escrever a história do cinema e ter vivido o início do século XX, mas ninguém vive mais de 100 anos para testemunhar tudo, certo?". Fico pensando não ter flagrado Rita Lee & Tutti Frutti no auge da fama com minha câmera. Consequentemente, a cantora em parceria com Roberto de Carvalho, igualmente seria digna de registro. E o que dizer de Raul Seixas? (quando eu iniciei o projeto o Maluco Beleza já estava morto). O mesmo ocorreu com Cazuza e outros, porém, de qualquer modo, tive a oportunidade de conhecê-los (o que não reduz em nada a importância do projeto). A realidade é que eu emergi como cidadão adulto bem depois e só pude testemunhar o que esteve de acordo com minha idade biológica. Em contrapartida, batendo de frente contra esse questionamento, documentarei (no plano audiovisual, jornalístico e dramaturgico) possivelmente, sobrevivendo a pandemia, novas gerações de artistas e bandas de rock (devemos subestimar os novos talentos por não carregarem a bandeira do pioneirismo?). E falando em pioneirismo documentei os pioneiros do rock dos anos 1950, 1960, 1970 e assim por diante, sempre escapando um outro por uma questão de contato profissional e/ou agenda. Mas que fique registrado que muitos ilustres passaram por mim, principalmente nomes que contribuiram até indiretamente para com o rock, como foi o caso de Roberto Menescal, um dos quatro pilares da bossa nova. Pois bem... Uma pergunta para pensar na cama, como diria o célebre economista Joelmir Betting... O saldo final será positivo? O que vale mais? A análise ou a reconstituição histórica?
Voltando ao pior de todos os questionamentos: Rita Lee sobreviverá? Uma matéria publicada no site G1, no dia 20 de maio do mês corrente, "Câncer de Pulmão: conheça sintomas, fatores de risco, diagnóstico e tratamento da doença de Rita Lee". Em resumo, o indíce de mortalidade é alto, mas a oncologia apresenta evolução no tratamento. O que preocupa é que tal tópico não promete cura e sim sobrevida do paciente. No parágrafo da matéria, o leitor se depara com a seguinte informação, bem no seco: "Cerca de 90% dos casos desse tumor estão associados ao cigarro, mas é preciso dizer que não fumantes também podem desenvolvê-lo", avalia a médica Clarissa Mahias, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica.
A matéria ainda lembra de uma entrevista de Rita Lee ao jornal Extra em 30 agosto de 2020, onde a propriamente dita afirmou que não usava drogas havia 15 anos com exceção do cigarro. Tudo indica que este tenha sido o gatilho apertado para o desenvolvimento da doença silenciosa, agora,infelizmente, preocupando a todos os familiares e envolvidos. Em razão do tratamento imunoterápico, possivelmente a cantora ficará mais reclusa do que de costume. Nada de longas sessões de depoimentos com algum figurão da imprensa, entrevistas exclusivas com historiadores e muito menos contato com o público VIP. Será mesmmo? Tudo leva a crer que sim. Fico pensando quantos projetos maravilhosos deixarão de existir por causa deste quadro clínico. Mas, nestas alturas do campeonato, isso é o que menos importa. O que passa a valer agora é a vitória de Rita Lee contra o mal que aflige milhões de pessoas no globo terrestre. Só com o tempo saberemos do resultado, mas... "Nada como um dia após o outro". Eu queria muito incluí-la, de forma direta, nem que fosse via skype ou ZOOM, no projeto "A Bíblia do Rock", porém, diante dos fatos, mal faço ideia daquilo que o destino nos reserva. O próprio tempo dirá o resto...
Enfim, fica aqui, registrado, meu carinho e apreço pela maior cantora de rock lançada no século XX.
TEXTO: EMERSON LINKS, o autor de A BÍBLIA DO ROCK.