sábado, 16 de junho de 2018

MORRE MUTUCA, UM DOS PIONEIROS DO ROCK GAÚCHO


Intérprete e músico do rock clássico, que cresceu durante a aurora do ritmo maior, morre sem alcançar sucesso nacional.



  Carlos Eduardo Weyrauch, prestes a completar 72 anos de vida no próximo dia 12 de agosto do ano vigente (nascido em 1946, no Hospital Beneficência Portuguesa, em Porto Alegre) não resistiu às pressões físico-existenciais. Ainda com muito vontade de seguir em frente naquilo que mais amava (o rock), o velho mestre foi pego de surpresa por um ataque cardíaco (perto da meia-noite do dia 12 de junho, em sua residência na cidade de Taquara-RS). Como todo sobrevivente de uma época marcada pelo pioneirismo, ele exercitava sua nostalgia atuando como DJ numa emissora de rádio. Mutuca (nome artístico que adotou após ser caçoado pelos colegas de escola no início dos anos 1960), manteve por décadas o Hot Club do Mutuca (que comandava desde 1991, na Ipanema FM, em Porto Alegre), tocando músicas e recebendo convidados dos mais variados tipos, ou seja, artistas veteranos e novos talentos. Atualmente, apresentava seu programa na Rádio Dinâmico FM, de propriedade do comunicador Claudio Cunha (também radialista da Ipanema). Em tempos que o rock deixou de ser música de referência para a juventude, ele mantinha seu público cativo, principalmente porque estava sempre na estrada com sua Mutuca & Banda.
  Além de ser um artista fiel às raízes, o músico gaúcho tinha excelentes qualidades humanas. Uma delas era a generosidade. Desde quando iniciei oficialmente a captação de imagens para o longa-metragem A BÍBLIA DO ROCK, bem no início de 1999, viajando por todo o país, Mutuca era o que mais colaborava concedendo entrevistas exclusivas em épocas distintas, ou seja, sempre atualizava alguma informação sobre si ou sobre o panorama mundial e local do rock. Não apenas entrevistas, como também, shows em variados espaços, bastidores de gravação de disco, etc. Diferentemente de alguns que não compreendiam a importância de acumular acervo para um projeto tão especifico, parecia que ele (Mutuca) sabia que todo esse material poderia ser usado em um futuro trabalho sobre sua própria carreira. Existe material sobre o músico em algumas emissoras de TV da capital gaúcha, mas registros produzidos de forma independente e com qualidade eu garanto que não. Tendo em vista isso... Sentindo a necessidade de constituir um acervo mais variado sobre o músico tratei de acompanhá-lo, na medida do possível, por nada menos 19 anos. Na função de documentarista, eu havia feito isso com outros pioneiros do rock brasileiro, tipo Serguei, mas com um artista gaúcho era algo que ninguém havia tomado conhecimento ainda, ou seja, essa iniciativa de constituir um acervo individual para cada artista utilizando uma câmera de alta definição "professional". Então... Juntamente com Mutuca, surgia a oportunidade de documentar esporadicamente Wander Wildner (Os Replicantes), Egisto Dal Santo (também outro grande artista e agitador cultural que possuo muito material e história para contar), Plato Divorak (simplesmente o alienígena do rock, outro grande personagem) e Júlio Reny (o poeta soturno do underground), mas o pioneiro dos pampas era o único que tinha um programa de rádio tradicional e que ganhou, inclusive, o único registro em tempo real da história, em uma das ocasiões que eu passava temporadas em Porto Alegre e visitava a Ipanema FM. Mutuca estava sempre e a disposição e eu realmente queria fazer um filme sobre as andanças e alguns flagrantes básicos da vida pessoal deste peculiar personagem do rock. Eu brincava com ele: "Tornei-me produtor e guardião de sua memória audiovisual". Volta e meia, um pensamento também invadia minha mente: "Mutuca pode um dia virar filme, sim, mas antes preciso arranjar dinheiro e concluir a BÍBLIA DO ROCK". Minha vida pessoal, muito corrida e nômade, sempre impediu que isso se tornasse realidade. Críticas não faltam, mas sobrevivo e sigo em frente. Ninguém está em minha pele para saber o quão é difícil ser independente no Brasil.

Mutuca em 1956 no grupo escolar Apelles, no quarto ano primário, na capital gaúcha.

Mutuca em julho de 1963, jamais imaginando o longo caminho que teria que percorrer, mas sempre em sintonia com o rock.

Em 1969, com a banda Succo, em Porto Alegre.


Mutuca, também, entrando em sintonia com a tropicália e a Era Hippie, no final da década de 1960 e início de 1970.




  Muitos vão questionar o fato de Mutuca nunca ter feito sucesso nacional com o aval de uma grande gravadora. Daí, respondo: "Uma das qualidades de um rocker é viver no underground, ser cultuado por um público seleto e não virar marca de alguma calça jeans". Os primeiros ídolos do Mutuca eram Chuck Berry, Elvis Presley e Jerry Lee Lewis - mas para este último, por sinal, ele abriu o show realizado no Pepsi On Stage, em Porto Alegre em 2009. Qual pioneiro do rock conseguiu tal façanha? Embora tenha crescido ao som de Celly Campello, Sérgio Murilo, Carlos Gonzaga, George Freedman, Demétrius e Ronnie Cord, Mutuca aproveitou bem a chegada do rock britânico na capital e acabou fisgado na primeira audição. Bandas da jovem guarda (Renato e seus Blues Caps, por exemplo) eram ouvidas, mas sua influência vinha mesmo de Liverpool (The Beatles, Herman's Hermits), do rock americano (todas bandas sixties) e da fase do rock psicodélico brasileiro (Os Mutantes). Entretanto, toda vez que pensava em ser lançado em disco algo andava para trás. Valeu a pena esperar, pois seu dia chegou em 1999. Durante a juventude, Mutuca não gravou nenhuma música, mas se apresentava nos clubes e bailes com a Alphagroup (a partir de 1967, quando estreou em Caxias do Sul) e Succo (1969). Ele teve muitas bandas nas décadas seguintes, sendo que, Mutuca & Os Animais, foi a que ficou na mente de muitos seguidores. Músicos lendários também subiram no palco com ele em outras bandas que formou. Ei-los: Mitch Marini, Flávio Chaminé, Claudio Vera Cruz, Claudio Levitan, Giba-Giba, Bebeco Garcia, Léo Ferlauto, Edinho Galhardi, entre outros. Em sua família, havia alguém que seguia o exemplo regional mais prático de firmar uma carreira, em outras palavras, Carlinhos Hartlieb, artista renomado dos anos 1970, no Rio Grande do Sul. Hartlieb era primo de Mutuca. Ele tinha uma carreira musical bem diversificada em solo gaúcho, porém, morreu assassinado em 29 de janeiro de 1984, deixando um vasto material como músico, compositor e agitador cultural. A grande verdade é que havia um divisor de águas entre esses dois músicos que eram parentes, mas nada que pudesse incomodar plenamente um ao outro. Cada qual tinha sua reputação individual no meio artístico. Mutuca estava em outra esfera, nutria-se do circuito underground. Ao longo das décadas, até chegar ao século XXI, ele se tornou personagem cult de Porto Alegre, a capital gaúcha. Ensinou o rock original a várias gerações, tocava somente os melhores (Beatles, Stones, Steppenwolf, Hendrix), além de canções do seu repertório, digamos assim, mais pessoal ("Faxineira", "O Blues da Casa Torta" e "Entrei numa Fria"). Vale lembrar que a versão em português de "Jailhouse Rock", lançado no álbum, "Hot Club", gravado de 1999, era cem vezes melhor que aquela que Jerry Adriani gravou em 1994. Lançado pela Barulhinho, Mutuca havia se cercado de músicos como Paulinho Supekovia (guitarra solo), Sérgio Stock (teclados), Lúcio Vargas e Duda Guedes (ambos dividindo a bateria). O disco "Hot Club", chegou a render uma indicação ao Prêmio Açorianos. Ainda acho que o grande charme da história foi a própria trajetória de Mutuca, tocando ao vivo nos palcos, em busca de reconhecimento, sim, mas sem aquele glamour típico das grandes estrelas fabricadas pelas gravadoras majors. Mutz, como era carinhosamente chamado pelos amigos mais próximos era puramente "clássico" e "underground". Na fase final de sua carreira, cercou-se, também de músicos afiados, tais como como Fast James (guitarra), Eze Guarnieri (baixo) e Thavo de Los Santos (bateria), que resultou na gravação de um novo álbum que, por falta de verba para divulgação, não alcançou a cena indie nacional. Pois bem... Acho que nada serve de consolo em relação a essa perda, porém, sua memória será resgatada na memória de amigos e fãs.

Mutuca com Kim Jim (Os Garotos da Rua) e outros músicos lendários.

Os Fabulosos Irmãos Brothers.




  Espero que, no futuro, encontrando tempo, eu aproveite essas dezenas de horas de imagens do artista e realize um documentário de qualidade, independente dos possíveis tributos que algum produtor chapa branca decida lançar no Histórias Curtas, da RBS-TV ou coisa parecida.

  De resto, nós os sobreviventes, seguiremos nesta jornada misteriosa que é a vida.  (...) E as pedras continuarão rolando... rock and roll forever.

Mutuca abriu o show de Jerry Lee Lewis, em 2009, no Pepsi On Stage. Este cartaz, claro, é de outro evento...

O pioneiro em pleno exercício. 


Show de Mutuca e Jimi Joe, em 2016.

Anúncio do último show que acabaria não acontecendo.



  Em tempo: Em 31 de dezembro de 2017, reservei um espaço sobre a Festa de 50 Anos de carreira, postada no blogger e no you tube. Lá entre uma música que outra, o internauta poderá ouvir o depoimento derradeiro de Mutuca. Nota-se um certo ar de melancolia em sua face e cansaço de um artista que sempre lutou por dias melhores. Confira:





Para saber mais sobre Mutuca, assista no you tube:


FAXINEIRA.




O BLUES DA CASA TORTA.





NUMA DE HORROR.


ENTREI NUMA FRIA.


MUTUCA NO PROGRAMA RADAR - TVE - TV CULTURA.

Um comentário:

  1. Realmente ele era e será sempre incrivel em nossos corações!! vc aborda com muita categoria o que foi e como foi sua carreira..realmente vc é incomparável para nos trazer de maneira simples a vida de nossos grandes artistas!! é uma perda irreparãvel, infelizmente nunca sabemos quanto tempo teremos nesta vida terrestre!! obrigada Emerson Links, adorei seu documnetário!!!!

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