domingo, 8 de novembro de 2020

VANUSA FLERTOU COM ROCK, MAS SERÁ ETERNAMENTE LEMBRADA COMO CANTORA POPULAR

Lançada como ícone juvenil surgido na segunda metade da década de 1960, Vanusa marcou presença nos últimos suspiros da jovem guarda, mas consagrou-se como estrela do pop dos anos 1970, ocupando diversos recantos das paradas de sucesso no Brasil, de norte a sul.
Não importando cor ou credo, o destino é sempre o mesmo em quase todos os casos de astros e estrelas que fizeram a história. Existe o caminho que os leva ao apogeu e, consequentemente, a queda. O que varia sempre, obviamente, é o nível emocional da personalidade de cada artista. Uns sobrevivem monetariamente e outros emocionalmente (ou ambos), porém, com o avançar do tempo, com a mudança de hábitos e costumes de cada geração, traz a triste constação de que nada culturalmente é eterno (pelo menos, no mainstream). Quis o destino (ou livre arbitrio) que Vanusa Santos Flores, nascida em 22 de setembro de 1947, na cidade de Cruzeiro, Estado de SP, fizesse parte deste grupo tão seletos de artistas populares que deixaram sua marca no século XX. Não muito diferente de outras cantoras que eu entrevistei, Vanusa curtiu o rock de seu tempo porque era uma onda e não porque abraçaria alguma causa. Ela foi criada nas cidades de Uberaba e Frutal e lá o que chegava de música jovem era o básico e vinha através de programas de rádio. Não existia internet e aparelhos avançados como os de hoje para alguém ficar por dentro de todos os lançamentos. Por vias naturais, ela conheceu o rock and roll ouvindo Bill Haley e seus Cometas, Elvis Presley e gente do pop branco Pat Boone, Frankie Avalon, Paul Anka, Neil Sedaka & Cia (como sabemos agora, depois da última revisão histórica, nomes que foram vendidos no Brasil como "rock" mas eram apenas, na verdade, artistas populares juvenis). Antes de alguém me contestar indico assistir o segundo episódio da série "Rock and Roll History", lançado pela Warner Home Video, em 1996. (...) Mas muitos estudiosos, hoje em dia, separam os ídolos pop dos verdadeiros pioneiros do rock and roll. Em solo brasileiro, a Revista do Rádio e Radiolândia vendiam Paul Anka e Neil Sedaka como grandes promessas, mas, de concreto, o único nome mais citado com frequência, Elvis Presley, é que realmente era do gênero "rock" (pelo menos, durante os anos 1950). Não havia imprensa especializada e nem crítica essencialmente cultural. Pior... Boa parte das revistas eram sobre fofocas de famosos. Em tal panorama, Vanusa viveu parte de sua infância, como uma ingênua espectadora da "grande máquina".
Na virada dos 50' para 60', Vanusa experimentou a adolescência e, como todo mundo, ficou impressionada com o som dos Beatles. No Brasil, nomes da primeira geração do rock brasileiro, tais como Celly Campello, Sérgio Murilo, Carlos Gonzaga, George Freedman, Ronnie Cord, entre outros, deram lugar a uma segunda lactação que trouxe o gênero que ficaria conhecido como jovem guarda (inicialmente era chamado de iê-iê), lançando incontáveis nomes em escala superior, como por exemplo, Renato e seus Blue Caps (apesar de ter iniciado em 1959), Os Golden Boys, Os Incríveis, Brazilian Bittles, The Fevers, Deny & Dino, Leno e Lillian e, obviamente, os aclamados Roberto Carlos, Wanderléa, Erasmo Carlos, Eduardo Araújo, etc. O programa jovem guarda lançado em agosto de 1965 mudou a história do rock ou da música jovem no Brasil (como queiram!), outros programas de TV vieram e tiveram êxito enquanto o público e os patrocinadores se mantiveram fiéis. Neste meio tempo, Vanusa, entao com 16 anos, vocalista do grupo Golden Lions, queria seu lugar ao sol. E conseguiu!!! Por detalhes, que ainda não posso mencionar (aguardem o livro A BÍBLIA DO ROCK), a bela loura (segundo a mídia impressa da época) foi resgatada por Sidney Carvalho, da agência de propaganda Prosperi, Magaldi & Maia, que ofereceu estrutura necessária para um principio de carreira imune às armadilhas dos cabotinos de plantão da época. Em 1966, no auge da jovem guarda, Vanusa ganhou visibilidade no programa O Bom, comandado por Eduardo Araújo, na finada TV Excelsior de São Paulo. Inevitalmente ela se tornaria um "produto", na mão de produtores que visavam alimentar o consumo das massas. Em tempos que a música jovem era moda toda a adolescente queria ser como ela. Além de virar posters em revistas, participar de fotonovelas e até álbum de figurinhas, conseguiu o que mais importava, ou seja, a gravação do primeiro disco.
Em 1967, Vanusa, contratada pela RCA Victor, gravou o compacto "Pra Nunca Mais Chorar" / "Geghege". A primeira faixa virou um sucesso romântico e a segunda foi o que mais estava próximo do rock, em tempos que o ritmo apresentado na parte instrumental nem era mais tocado fora do Brasil. Apesar disso, Vanusa fez sucesso, sim, criando sua marca pessoal, sem se importar se o twist que gravou era anacrônico ou não. Enquanto isso, Estados Unidos e Europa já estavam em outra. The Beatles, mais maduros, lançavam o revolucionário "Seargent Pepper's" e a maioria das bandas e demais intérpretes se dividiam entram o soul, o fusion, o blues, o folk e pop psicodélico. Quando o mestre guitar Jimi Hendrix entrou em cena, tudo que havia sido lançado antes ficou com cara de ultrapassado. Lembando que, os primeiros a (quase) pedirem o chapéu foram as bandas estilo Invasion British, enquanto que, no Brasil, o grupo Renato e seus Blue Caps (segundo o depoimento de Renato Barros), por pouco não perdeu o controle criativo. Para Vanusa nada importava, agora, nos últimos suspiros da jovem guarda, tratava-se da nova estrela do pop romântico, com o primeiro long-play lançado em 1968. .
Mais que grande cantora e também boa atriz (opinião expressada pelo jornalista Arthur Xexéo), Vanusa era um "personagem" que sugeria várias vias, mas sempre com ressalvas. Rapidamente convertida ao mundo dos "adultos", apesar de ter flertado com a psicodelia em "Atômico Platônico" (e o assunto desta revista eletrônica é rock), Vanusa entrou para o sistema (ou sempre esteve nele?) ao gravar o tema de abertura do Fantástico, revista semanal da TV Globo, que fez sucesso nacional. Mas, em termos de qualidade, gravou a inesquecível canção "As Manhãs de Setembro", lançada em 1974, desta vez pela gravadora Continental. Mas não era rock and roll. Se existe mais uma consideração, aqui, sobre o tema, cabe lembrar do episódio sobre o suposto caso de plágio que envolveu a Black Sabbath em 1973. Nesta época, Vanusa gravou "What To Do". Apesar da polêmica que não saiu da própria praia, a banda foi poupada de qualquer processo judicial.
Pois bem. Eu teria muito a falar sobre Vanusa, mas este espaço não é reservado para discutir questões íntimas relativas aos artistas. Isso eu deixo para as revistas de fofocas e canais do you tube sensacionalistas. Fora o já mencionado no primeiro páragrafo, posso adiantar que cheguei a participar, inclusive, de um bate-papo com Vanusa na minha linha de tempo de um dos perfis na rede social facebook, anos atrás. Fiquei abismado com a forma que ela se apresentou no fórum sem se preocupar com a exposição e a parte verbal. E como disse, não importa o que foi dito e sim a forma de ela (a artista) se apresentar ao público. Mas, neste universo on line, cada um escolhe aquilo que deseja deixar registrado para a posteridade. Eu, no lugar dela, escolheria diferente. Mas, enfim... o assunto, aqui, volto a repetir, é rock, portanto dou por concluído este artigo. Não estou a fim de abordar os escândalos protagonizados pela cantora. E tenho a certeza de que amigos e músicos entraram aqui para opinar ou acrescentar algo. (ou não). Tanto faz... Eu só queria desabafar... e lembrar de quem merece ser lembrado.
Vanusa, em sua trajetória pessoal, teve duas pessoas importantes, as quais acabou assumindo compromisso matrimonial: a primeira foi com o cantor Antônio Marcos (personalidade bastante controversa porém talentosa que esteve entre nós) e a segunda com o ator e diretor Augusto Cesar Vanucci (aliás, protagonista dos primeiros filmes de rock no Brasil, do período do Clube do Rock, non Rio de Janeiro, nos anos 1950 e 1960). Nos últimos anos, padeceu de muitos males, passando por várias internações hospitalares, sendo que, numa destas, descobriu que tinha uma síndrome demencial, muito parecida com o Mal de Alzheimer. Além de a depressão ter contribuído muito para seu declínio estético, o que resultou num arranhão de sua imagem como artista, trouxe limitações quando o assunto era performance de palco. Devorada pela própria ânsia de buscar um autocontrole, Vanusa nos deixou na madrugada de 8 de novembro de 2020. Penosamente, por livre arbítrio, Vanusa encerrou seu cliclo vital justamente na queda e no auge, como a maioria das grandes estrelas da nossa história.
Manhãs de Setembro (1974)
Visual andrógino que lembra o David Bowie nos anos 1970.
TEXTO: Emerson Links.

2 comentários:

  1. Sinceramente..eu reconheço o valor de um artista..e tenho todo respeito..apesar de ter uma bela história..nao era minha favorita..na verdade das artistas da jovem guarda nenhuma fez minha cabeça..lamento e fico triste com o que aconteceu..mas infelizmente é o único caminho certo da vida e nada pode ser feito..a hora chega para todos ( para mim tbm) que esteja na paz e na luz de Deus!!!🙏

    ResponderExcluir
  2. "Mundo Colorido" expressa bem a imagem que Vanusa tinha no começo da carreira, aquele ié-ié-ié explosivo, "pra cima", como um grito de liberdade e independência. Li a autobiografia dela. Foi uma pessoa que fez muito sucesso, mas também sofreu bastante. Viveu relações turbulentas e intensas.

    ResponderExcluir