sábado, 28 de abril de 2018

CARLOS EDUARDO MIRANDA - IN MEMORIAN

  Morte precoce de umas últimas cabeças pensantes no campo da produção musical deixa um vazio na cena roqueira brasileira que dificilmente será resgatado novamente.


Texto: Emerson Links.


Carlos Eduardo Miranda em companhia daquilo que mais gostava: seus discos de música.


O sempre irreverente e bem humorado produtor.



  Pois então!!! Conte nos dedos, dentro do universo de produção do pop rock, quantos nomes foram éticos e substancialmente originais como o gaúcho Carlos Eduardo Miranda, que nos deixou em 22 de março do ano corrente, vítima de um mal súbito, aos 56 anos de idade, em sua casa, na capital paulista. Vale lembrar que restam poucos dinossauros neste setor, tais como o ainda (atuante) Antônio Aguillar (DJ e apresentador de TV, que lançou os primeiros nomes da jovem guarda em São Paulo no programa "Ritmos para a Juventude", atualmente na Rádio Capital FM e produtor da última dentição do The Clevers), Luiz Calanca (Produtor do selo Baratos Afins), Nelson Motta (produtor da MPB que virou escritor, biógrafo de artistas que lançou entre os anos 1970 e 1980), Liminha (baixista da banda Os Mutantes e produtor de mais de 180 discos), Pena Schmidt (produtor de discos, responsável por boa parte das bandas de sucesso do rock brasileiro dos anos 80, tais como Ultraje à Rigor, IRA!, Titãs, entre outros) e, claro, outros menos cotados que minha memória danificada pelo bombardeio de informações do atual pop não permite lembrar (mesmo que eu nunca esteja de rádio ligado tem sempre um vizinho ou loja de shopping center tocando o que há de pior na música massificada, atualmente encabeçada por sertanejos "universiotários" e genéricos de funk da elite rastaquera). E, infelizmente, sem caras como Miranda e os já citados, que podem adoecer repentinamente, a música de qualidade ameaça sair da UTI para entrar direto para o necrotério.

Carlos Gerbase, cineasta e baterista dos anos dourados dos Replicantes. Grato pelo amigo falecido.



  Mais que um reconhecido jurado de programas importados que lançaram novos talentos (Ídolos e congeneres), Carlos Eduardo Miranda, nascido em 21 de março de 1962, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, foi o músico, compositor e produtor que criou as bases para o surgimento das bandas do rock gaúcho dos anos 1980, juntamente com jornalistas e músicos engajados em tal causa. Na capital gaúcha, germinou bandas como Urubu Rei e Atahualpa Y Us Panquis, bem como, a lendária Taranatiriça. Esta última começou instrumental para em seguida ser encabeçada por Alemão Ronaldo, da Bandaliera, mas somente no primeiro lançamento em disco. Posteriormente foi Marcelo Perna quem gravou todos os álbuns no papel de vocalista, porém, a fama de pioneiro ficou com o Alemão. Detalhe este que pouco importava, em tempos que as bandas de rock estavam na moda e passaram a frequentar o dial das rádios: Os Replicantes, DeFalla, TNT, Júlio Reny e seu KM Zero, Garotos da Rua, Cascavelettes, entre tantos. Muitos juram que as bandas menos relevantes foram as que se tornaram famosas nacionalmente como Nenhum de Nós e Os Engenheiros do Hawai, porém, Miranda nunca se envolveu em polêmica. Segundo ele próprio, o segredo da consagração pública era ser amigo de todos e como ele mesmo dizia "a brotheragem" era o que valia mais que perder tempo com "memes". O cineasta Carlos Gerbase, dos Replicantes, em depoimento ao site Click RBS, do jornal Zero Hora, deixou gravado o seguinte: "Quem conhece a história do rock no Rio Grande do Sul sabe a importância do Miranda". Décadas antes, por volta do ano de 1984, o gordo boa praça, havia espalhado a notícia que Os Replicantes era o futuro do rock. Dois anos depois, em 1986, esse futuro chegou com a banda assinando contrato com a gravadora RCA (que virou BMG), não sem antes lançar-se no mercado através do selo Vórtex e das coletâneas "Rock Garagem" e "Rock Grande do Sul". Muita coisa viria pela frente para o bem estar daquela juventude pós-governo militar e que tanto almejava ser ouvida em todos meios de comunicação vigentes. Entretanto, se o rock gaúcho vingou nesse período foi graças ao empenho de todas as bandas que vieram na esteira da divulgação deste "maluco beleza".




  Enfim... Carlos Eduardo Miranda era visto como uma espécie de Carlos Imperial da sua geração (e por coincidência esse grande sujeito também tinha "Carlos" como "primeiro nome"). Ele possuía um incrível talento para reunir nomes que faziam a diferença na cultura musical, tinha mesmo um senso crítico recheado de humor com puras doses de honestidade. Não por acaso, trabalhou como jornalista quando chegou a São Paulo, escrevendo resenhas para publicações sobre música (Revista BIZZ e outras), até iniciar sua ascensão em nível nacional e marcar uma geração de roqueiros (leia-se, também, anos 1990 e 2000). Bandas como SKANK, O Rappa, O Mundo Livre S. A., e Raimundos devem muito a ele. Miranda protagonizou os selos Banguela Records e Excelente. O rock, depois das febres comerciais empreendidas nas décadas de 1960 (jovem guarda) e 1980 (Brock), encontrou novo alicerce na figura mítica de Carlos Eduardo Miranda. Só para se ter uma ideia da coisa, o primeiro disco da cultuada banda gaúcha Graforréia Xilarmônica, "Coisa de Louco II", saiu pelo selo criado por Miranda (o Banguela). Outras bandas gaúchas dos anos 1990 passaram por ele como Os Cowboys Espirituais e Maria do Relento.


DeFalla, banda onipresente no universo rock, que se tornou uma lenda viva após seu apogeu, nos anos 80. Miranda fazia parte do momento que essa banda emergiu nacionalmente. 


  Abrindo um paragrafo pessoal, entro, aqui, com o seguinte depoimento: "Eu tive o prazer de conhecê-lo e entrevistá-lo para o meu (ainda) inacabado projeto de longa-metragem e livro A BÍBLIA DO ROCK. Em companhia do fotógrafo paulista Euler Paixão, passamos horas falando sobre a evolução da música através dos tempos. Ele sempre me incentivava a não desistir porque dizia que críticas serviam justamente para alavancar novas possibilidades. Podia demorar o que demorasse, mas o importante era que, no final, eu pudesse alcançar um excelente resultado, assim ele pensava. Tempos difíceis vieram nos primeiros anos do século XXI. A falta de verba interrompeu de eu seguir com A BÍBLIA DO ROCK naquele momento, porém, Carlos Miranda nunca se cansava de incentivar e essa era uma das qualidades que acompanhou sua trajetória até aqui, interrompida lamentavelmente pela morte. Eu via ele tanto em Porto Alegre quanto em São Paulo e arredores. Era fácil flagra-lo em eventos de música como o Sesc Pompéia em 2003, onde tiramos uma foto ao lado do roqueiro Serguei, como também, encontrá-lo na capital gaúcha caminhando pela Cidade Baixa, pelo Parque Redenção ou dentro da Lancheria do Parque. Como formador de opinião (felizmente) foi figura carimbada de vários documentários sobre rock e música em geral. Obviamente seriam os reality shows e programas de concursos musicais que ele viria a se tornar nacionalmente. Afinal, o grande público brasileiro não ouvia rock para, de fato, conhecê-lo. Podia ser melhor que isso, mas o "povão" normalmente só tem memória quando assiste alguém na TV. Dos 200 milhões de brasileiros, podemos dizer que uma grande parte ainda não possui uma internet de banda larga em casa. E o público do Miranda, apesar de ser o público de quem se liga somente em música, vive boa parte do tempo on line, mergulhado em redes sociais e sites de rock indie". É definitivamente "cult".

Emerson Links e Carlos Miranda posam para as lentes do fotógrafo Euler Paixão.



  Obviamente que qualquer reportagem que seja escrita, inclusive esta, sempre se será vistas, por alguns olhos, como incompleta, porque o saudoso produtor Carlos Eduardo Miranda conviveu com tantas personalidades que sua vida daria uma série de livros em vários volumes. Entretanto, aqui, presto, nessas modestas linhas, meu tributo aquele que botou fé no meu trabalho (como cineasta) e que também elogiou a forma como eu criava histórias (lembrando que o Gordo criava as suas histórias, fundava religiões e revistas). * Neste meu primeiro encontro com ele, em meados de 1999, em companhia do fotógrafo Euler Paixão tivemos muitos momentos divertidos (como o da foto acima). Como a "Bíblia do Rock" era a pauta, declarou que o primeiro rock que ouviu foi "Surfin Bird", do The Trashmen. E tinha tudo a ver com ele quando era apenas um menino hiperativo. Curiosamente foi esse som selou o seu destino.


* Para ver minhas sinopses de séries e filmes, visite o meu blog A FABRICA DE ROTEIROS: http://afabricaderoteiros.blogspot.com.br/2018/03/dark-blues-sinopse-do-piloto-da-serie.html


  Voltando (...) Lembro ainda que eu havia mostrado a ele várias sinopses e roteiros de filmes de rock que desenvolvi e pretendia lançar. Ele sempre dizendo que eu deveria lutar contras as adversidades do mercado que um dia, mesmo velho (risos) eu iria conquistar o meu espaço. Se eu não fosse tão metido a underground como fora antes, nesta época, teria conseguido. Atualmente, com o suporte da internet, via redes sociais, essa adversidade pode estar com seus dias contatos. Ou não.

(...) Como grande olheiro de artistas, ele sabia enxergar quem tinha potencial para ser desenvolvido, não importando este ser músico ou ativista cultural de outras modalidades. Ele era um descobridor de talentos e não fazia diferença se você era underground ou mainstream. Sua postura de profissional acessível abriu as portas para muita gente que pela vias convencionais jamais encontraria uma oportunidade.

(...) E concluindo... ele vivia falando sobre a religião do resíduo digital. Se um dia alguém morresse fisicamente, essa persona continuaria viva no mundo virtual. Futuro que ele previu décadas antes do surgimento da internet.




   Além de deixar vários artistas órfãos, Carlos Garcia (como também era conhecido em um perfil do facebook) também deixou sua mulher, Isabel Hammes, e um grande vácuo na cultura pop rock. Se alguém da nova geração se espelhar em Carlos Eduardo Miranda e for tão humilde quanto ele o foi como produtor, o futuro dos jovens talentos não estará tão comprometido assim. Em tempos de crise de identidade cultural esperamos que a passagem do bastão ocorra brevemente.   






Para saber mais sobre a personalidade, assista os seguintes links no you tube:



Armando Sacomanni fala sobre a morte de Carlos Miranda.



Morning Show - Amigos contam histórias sobre Miranda.


Entrevista no Programa Jô Soares.











João Gordo entrevistando Miranda.



Você pode visitar o twitter do Miranda: https://twitter.com/minimundomini





OBS. Matéria sendo escrita em tempo real. Aguarde o término para, assim, realizar a leitura.

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